1. Teoria do Contrato

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.


Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

1. Teoria do Contrato
 

1. Prólogo

2. Justificativa para estudo da Teoria do Contrato

2.1. O quê é um contrato?

2.2. Para quê serve um contrato?

2.3. Qual a forma de um contrato?

2.4. Em síntese

3. Diferença entre o conceito de Obrigação e o conceito de Contrato

4. Contratos complexos que exigem habilidades formativas complexas dos profissionais da área jurídica

5. Teoria do Contrato

5.1. Garantia Contratual ao Credor

5.2. Pacta sunt servanda e Rebus sic standibus

5.3. Limitação na liberdade de contratar

 

1. Prólogo
 

Uma teoria é um corpo coerente e organizado de relações entre objetos determinados com o fim de gerar conhecimento sobre determinado fenômeno. Os objetos são individualizados por caracterizações próprias, de modo a evitar confusões nas definições, e as relações entre eles são racionalmente estabelecidas, de modo a permitir a previsibilidade de situações. O grau de detalhamento dos elementos constituintes da teoria depende do contexto de aplicação.
 

Tal se aplica à teoria do contrato. Ela pode ser expressa abstratamente por detalhes especializados ou de modo mais amplo, com o aprofundamento dos detalhes reservados ao caso concreto. O Código Civil de 2002, por exemplo, apresenta uma sintetização da teoria de forma relativamente genérica, como se depreende do próprio título no livro que a aborda: Dos Contratos em Geral (Parte Especial do Código, Livro I, Título V – Dos Contratos em Geral, e Título VI – Das Várias Espécies de Contratos).
 

O objeto de uma Teoria do Contrato, que é a descrição e fundamentação do Instituto Jurídico de gênero Contrato, não raro, é sintetizado como o acordo, em conformidade com normas legais, entre duas ou mais pessoas (bilateralidade) juridicamente capazes com a finalidade de adquirir, proteger, transferir, modificar ou extinguir uma relação jurídica patrimonial (conjunto de direitos e obrigações) entre elas, sendo que esse acordo vincula (obriga) as partes ao seu cumprimento. Ora, esta é uma definição com alto grau de abstração, pois supõe como conhecidas as normas legais que condicionam o acordo, as individualizações das pessoas juridicamente capazes e o quê seja e os alcances de uma relação jurídica patrimonial. Para um neófito no estudo da Ciência Jurídica, os termos estão sobrecarregados de subjetividade nem sempre perfeitamente compreendidas. Assim, a abordagem da Teoria do Contrato aqui apresentada adotará uma abordagem analítica, de modo a propiciar o domínio adequado de seus elementos constituintes e adequar-se às diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Direito, em especial, "a utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica e o julgamento e tomada de decisões".

 

2. Justificativa para estudo da Teoria do Contrato
 

A justificativa para o estudo da Teoria do Contrato pode ocorrer em três esferas do conhecimento articuladas entre si: epistemológico, semântico e ontológico.
 

No nível epistemológico questiona-se: O quê é um contrato?
No nível semântico questiona-se: Para quê serve um contrato?
No nível ontológico questiona-se: Qual a forma de um contrato?

 

2.1. O quê é um contrato?
 

Em 1936, o Professor da Escola de Direito da Universidade de Indiana (EUA) Hugh Evander Willis [1] escreveu um artigo sobre a Justificativa para o Estudo dos Contratos com o seguinte início:
 

A regulação dos contratos inclui o controle social (conjunto de regras e princípios estabelecidos na sociedade com vistas à previsibilidade de comportamentos individuais) aplicado às promessas. Em primeiro lugar, esse controle objetiva garantir as condições para que promessas se externalizem em forma de contratos; em segundo lugar, objetiva a eficácia das promessas relacionados aos contratos futuros; em terceiro, objetiva garantir o cumprimento das promessas contidas nos contratos existentes; em quarto, evitar promessas que não podem ser realizadas em forma de contratos e em quinto prevenir a realização de promessas na forma de contratos que podem ser evitados.

As promessas expressas em forma de contratos envolvem direitos; as promessas para contratos futuros envolvem privilégios e poder; nos contratos existentes as promessas envolvem efetivação de direitos; nos casos de promessas que não podem ser realizadas em formas de contrato, o controle social indica poderes, privilégios ou direitos exclusivos da administração pública; no caso de prevenção de promessas na forma de contratos, o controle social diz respeito a privilégios e poderes.

Quando direitos estão envolvidos, o controle social pode resultar no adimplemento contratual, em punições pelo inadimplemento ou indenizações por violações. Quando privilégios e poderes estão envolvidos, o controle social pode resultar em uma decisão judicial sobre a validade ou rescisão contratual. Quando os direitos, poderes ou privilégios são de natureza pública, o controle social pode consistir na invalidade contratual ou em processo criminal.

Em síntese: um contrato é uma obrigação legal com origem em uma promessa ou em um conjunto de promessas. Um contrato é uma relação de direito. Nos contratos, o controle social é aplicado às promessas que criam essa relação de direito.
 

A justificativa do Professor Willis situa o contrato no contexto das relações sociais aptas a produzirem efeitos jurídicos. Escrito em 1936, o texto permanece atual, pois, ainda que a palavra “promessa” tenha sido substituída na literatura por “autonomia da vontade”, não deixa de representar a expressão de condutas voltadas para o atendimento de interesses subjetivos. A expressão “controle social”, oriundo da sociologia, no direito tem o sentido de "primazia do interesse público".
 

A adequação a ser efetuada no texto se refere ao desenvolvimento de novos paradigmas relativos às abordagens sobre satisfação de interesses. A concepção de interesse é de natureza psicológica e indica a disposição de juízo voltada para determinada conduta. Não tem a mesma intensidade expressiva que o paradigma da solução de problema, pois o interesse está circunscrito à esfera da autonomia da vontade, que pode não requerer urgência na sua manifestação. Já a solução de problema, conceituada como o gerenciamento de restrições, condicionantes e oportunidades fáticas para o alcance de um objetivo específico, implica a necessidade de ação efetiva no mundo prático, ainda que oriunda na autonomia da vontade, pois, por definição, envolve e requer a urgência na conduta. Adicionalmente, a solução de problema, para ser racionalmente abordada, exige o estabelecimento e análise de cenários contendo as restrições limitadores ao objetivo e as oportunidades disponíveis, com escolha da que melhor atenda aos interesses da parte, algo que na expressão de interesses não é analisado com a mesma racionalidade, isso quando não é dado como procedimento já previsto e resolvido. Adicionalmente, existem tecnologias disponíveis para a aquisição de experiência e boas práticas na solução de problemas, como os estudos de casos. Esta adequação é necessária em face das exigências econômicas do mundo contemporâneo, com pressões competitivas que não permitem análises irreais ou sem objetividade no trato e cuidado com os recursos disponíveis e a eficiência e eficácia nas suas aplicações. Ora, o contrato nada mais é que uma promessa com implicações legais que os recursos envolvidos no pacto negocial e suas aplicações serão tratadas do mais alto grau de racionalidade possível. Tal afirmação é compatível com o artigo 421-A do Código Civil incluído pela Lei nº 113.874 de 2019, a saber:
 

"Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada
".
 

Analiticamente, as esferas ontológica, epistemológica e semântica devem estar articuladas (sem contradições lógicas), de modo a adequarem-se aos planos do negócio jurídico (planos de existência, validade e eficácia) [2].
 

contratos


2.2. Para quê serve um contrato
 

Um contrato serve para produzir consequências obrigacionais específicas no mundo jurídico que se refletem no mundo dos fatos sob o manto de termos patrimoniais. Pelo acordo de vontades (ou promessas entre as partes) se antecipa o acontecimento de determinado fenômeno futuro desde que as promessas pactuadas sejam cumpridas. Para evitar quebras dessas promessas, o sistema legal é invocado como garantidor da fidelidade ao pactuado. Por isso, contratos são relações, ou obrigações, legais.

Mas um contrato não é formado por qualquer pacto entre vontades. O objeto do contrato é condicionado pela utilidade econômica, por mais tênue que esta possa ser. O simples consumo de um cafezinho num ponto de venda tem utilidade econômica, pois envolve a circulação de riquezas (o café e o valor pago por ele). Mas o dever social de ser respeitoso com as pessoas, via de regra, não envolve interesses patrimonias e por, isso, não apresenta configuração contratual, devendo, em caso de necessidade, ser abordado por outros ramos do Direito (a Ética ou a Responsabilidade Civil, por exemplo).
 

A razão para o requisito econômico dos contratos é a necessidade social do estabelecimento e cumprimento de regras aceitas e previsíveis de relacionamentos interindividuais no âmbito específico da esfera patrimonial. Parte significativa das ações humanas, como o estudo, o trabalho, o lazer e a própria preservação física são monetizados e podem ser fontes de graves conflitos. Uma compra não entregue, um salário não pago, um produto com defeito ou um alimento inapropriado indevidamente comercializado são fontes potenciais para geração de conflitos aptos a atingirem grandes proporções. Daí a necessidade de controle social (ou, para utilizar uma expressa comum ao contexto jurídico, a primazia do interesse público) pelos agentes estatais, no caso o Poder Judiciário, na prevenção e manutenção de eventuais conflitos em proporções controláveis.
 

A importância jurídica dos contratos em termos de controle social apresenta altíssima magnitude que os próprios órgãos jurisdicionais estão submetidos a esse controle. Exemplo eloquente é o cancelamento pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de contrato para gerenciamento da plataforma do processo eletrônico estabelecido entre o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e a Microsoft, como a seguir demonstrado:
 

Procedimento de competência de comissão –
0002582- 36.2019.2.00.0000
Requerente: Conselho Nacional de Justiça – CNJ
Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP

1. Procedimento de Acompanhamento de Cumprimento de Decisão em que se analisa contratação, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de transnacional de tecnologia para desenvolvimento de sistema de processo judicial eletrônico diverso do Processo Judicial Eletrônico - PJe.

2. A competência do CNJ não se limita ao controle interno do Poder Judiciário; alcança também a relevante função de formular e supervisionar políticas de âmbito nacional, inclusive no que se refere à tecnologia da informação, que deve ocorrer sem negligenciar princípios e garantias constitucionais, assim como reclama indispensáveis preocupações com a segurança de dados.

3.Desde a edição da Resolução CNJ 185/2013, que instituiu o Pje, busca-se concretamente um sistema nacional, independentemente das esferas, sem desprezar, entretanto, peculiaridades locais que justifiquem sistemas próprios, notadamente quando já em avançado estágio de desenvolvimento e funcionamento.

4. Todavia, tal relativização não se reveste de natureza discricionária a ensejar liberdade irrestrita aos órgãos submetidos ao controle do CNJ, para contratação de soluções tecnológicas desvinculadas da política nacional.

5. Relativização dessa política nacional que não passe pelo Plenário do CNJ viola preceito expresso da aludida Resolução (art. 45). Só há de ser feita depois de pleiteado pelo Tribunal e justificada pelas circunstâncias ou especificidades locais, o que não havia ocorrido na hipótese dos autos, já que não houvera pedido de relativização e o próprio Conselho só tomou conhecimento da contratação por meio de notícia veiculada no sítio eletrônico do Tribunal.

6. Não tendo o Tribunal submetido a licitação/contratação ao crivo de seus comitês internos, há de reconhecer-se ter havido inobservância da Resolução CNJ 211/2015, que prima pela participação e verificação das instâncias e atores internos no estabelecimento de estratégicas que se alinhem com a realidade local, especialmente no que diz respeito aos recursos humanos, administrativos e financeiros.

7. Não se mostra possível, portanto, tratar de relativização sem prévia e aprofundada análise de informações a serem apresentadas pela Corte à luz dos esclarecimentos a serem fornecidos pela TI do CNJ e do exame dos comitês internos.

8. Em relação ao contrato firmado pelo Tribunal Paulista, tem-se que a Lei 10.973/2004 (Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica – LIIT) possibilita um regime de contratação diferenciado, mas isso não quer dizer que franqueie toda e qualquer licitação/contratação realizada à margem da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações). Não obstante, o exame conclusivo da legalidade não será realizado pelo CNJ, e sim pelos órgãos de fiscalização, conforme preceitua a própria Constituição da República (art. 103-B, § 4º, II).

9. Em razão da aparente insuficiência da Resolução CNJ 182/2013, mostra-se oportuna a promoção de estudos destinados à elaboração de ato normativo que discipline contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fundamento na LIIT.

10. Mantida suspensa a contratação, permitindo ao Tribunal dar prosseguimento ao estudo da matéria mediante tramitação interna, com a observância de determinações do CNJ.
 

2.3. Qual a forma de um contrato?
 

Um contrato é negócio jurídico resultante do acordo declarado de vontades. Pode ser informal, como estatuído no artigo 107 do Código Civil de 2002 (“A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”) ou necessariamente escritos, a exemplo dos artigos 108 (“Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”), 109 (“No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”) e 541 (“A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular”) do Código Civil vigente.
 

Entretanto, o acordo de vontades de sujeitos capazes e a conformidade com o regramento jurídico são os principais elementos do contrato. Estes elementos são abstratos, pois existem no substrato psicológico das pessoas e exigem condutas apropriadas para se manifestarem no mundo concreto, a exemplo do expresso no Artigo 110 do Código Civil: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental [não declaração da vontade] de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. Assim, os atos observáveis são consequências de estados subjetivos que não podem ser diretamente acessados. Nesse sentido, situa-se a caracterização de Moacir Adiers [3] da vontade:
 

A vontade humana é a determinante do atuar ou do não atuar do indivíduo, da ação ou da inércia da pessoa. A vontade da pessoa está na base de tudo. Ela pode atuar no sentido de desencadear um fato jurídico e de torná-lo concreto, dando-lhe existência no plano da concretude prática. Mas, não é da vontade humana, ou dela só, que surge ou nasce um dever jurídico de natureza obrigacional. A obrigação surge ou cobra existência com o fato jurídico concretizado pela manifestação de vontade ou de um comportamento típico, havidos, no plano jurídico, como produtores de um dever de prestar.
Considerada a categoria do negócio jurídico como um instituto jurídico mais amplo, que abrange e engloba o contrato, ter-se-á que é do e com o negócio jurídico, que se concretiza a partir de uma manifestação de vontade negocial, que surge, nasce ou se cria uma obrigação. Se a vontade humana é a desencadeadora do negócio jurídico, a verdade é que a obrigação surge tão somente no momento em que o negócio jurídico se torna concreto, pois é nesse mesmo instante que ele passa a existir no plano da concretude prática e a partir do qual se estabelecerá o dever de prestar, por irradiação de eficácia daquele. E para que isso ocorra, a só declaração de vontade não se mostra suficiente, pois é preciso que a ela se integre ou se conjugue uma norma jurídica que preveja, em seu suporte fático, a manifestação de vontade como forma de sua concretização. É o negócio jurídico concretizado por meio de uma manifestação de vontade, por isso, o fato jurídico lato sensu que faz surgir o dever de prestar e que é, consequentemente, a fonte da obrigação que dele deriva.
 

Por sua vez, o regramento jurídico é composto por princípios, normas e racionalizações esparsas que repousam, na maioria das vezes, nas experiências individuais dos teóricos (doutrinadores, professores da área jurídica) e dos aplicadores do direito (juízes, advogados, promotores). Assim, a forma de um contrato não é representada pelo meio em que é armazenado (físico ou digital), mas pelo domínio e imagem (termos matemáticos utilizados na ausência de termos jurídicos com a mesma precisão terminológica) de relações possíveis, em que dada condição contratualmente prevista (domínio) deve previsivelmente produzir o resultado desejado (imagem). Daí a importância, em contratos complexos, da correta descrição jurídica dos elementos contidos no domínio, de forma a evitar interpretações errôneas (cláusulas exorbitantes, abusivas ou eivadas de vícios) sobre os resultados desejados na hipótese de eventuais litígios.
 

Quando escritos, os contratos podem sê-lo por instrumento público (escritura pública) ou por instrumento particular (contrato particular). A escritura pública é lavrado por tabelião de notas e apresenta fé pública, enquanto o contrato particular é escrito pelas partes ou por advogado.
 

Henriques [4] destaca que "na linguagem empregada em contratos se tem por hábito colocar a qualificação completa das partes no preâmbulo e, em seguida, a expressão genérica que remete ao papel desempenhado pela parte no referido contrato, como, por exemplo, a frase “doravante designado simplesmente comprador”, de modo que, em todo o corpo textual do contrato, não se menciona mais o nome do contratante, mas simplesmente o termo genérico, no caso, “comprador”".
 

Finalmente, cabe destacar que os contratos são transitórios, pois a permanência é característica dos direitos reais, com os quais não se confundem.

 

2.4. Em síntese
 

Os contratos estão presentes em todos os setores da vida humana contemporânea. O fato de serem promessas livremente pactuadas e caracterizarem controle social, ou o direcionamento de ações e comportamentos por iniciativa pública para a obtenção de resultados preestabelecidos e socialmente aceitos, é motivo mais que suficiente para justificar seus estudos pelos profissionais da área jurídica, pois há muito o Direito desempenha o papel de controle social voltado para o alcance de objetivos socialmente relevantes em termos de bem-estar social e econômico.

 

3. Diferença entre o conceito de Obrigação e o conceito de Contrato
 

Os contratos, uma vez celebrados, são fontes das obrigações (vinculam as partes ao seu integral cumprimento). Os manuais de Direito sobre o Código Civil, em regra, consideram, além dos contratos, os atos unilaterais e os atos ilícitos como fontes das obrigações. Entretanto, o Código Civil de 2002, no Livro I – Do Direito das Obrigações, inclui, além dos contratos (Título V), os atos unilaterais (Título VII), os títulos de crédito (Título VIII) e a Responsabilidade Civil (Título IX) como fontes das obrigações. Os atos ilícitos estão contidos na Responsabilidade Civil (artigo 927).
 

Pereira [5] apresenta a seguinte conceituação para contrato: “É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. De forma sucinta, contrato é o “acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos””.
 

O mesmo autor [6] apresenta a seguinte conceituação para obrigação: "obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável. E, diante da visão contemporânea, tal vínculo deve se basear na obediência aos valores e princípios constitucionais, inclusive a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social. Assinalamos, ainda, a indispensabilidade de configurar a obrigação cada vez mais como uma relação de cooperação, não podendo, atualmente, o Direito das Obrigações ser considerado o estatuto do credor, e sim informado pelos valores e princípios constitucionais".
 

A obrigação possui abrangência de aplicação mais extensa que o Contrato, apesar de a doutrina abordar o contrato com linguajar formalizado e a obrigação com maior liberdade de expressão. Talvez tal fato decorra dos tipos de interesses e das especificidades de determinadas espécies de contratos, que exigem linguagem técnica e alto grau de experiência profissional para seus entendimentos e implementações, além de, num mesmo contrato, poderem estar contidas as três modalidades de obrigações (dar, fazer e não fazer). Como exemplo, suponha um contrato de software, que envolva o desenvolvimento do projeto do sistema (obrigação de fazer), a entrega do produto final (obrigação de dar), a manutenção do sistema durante sua vida útil de acordo com critérios de qualidade estabelecidos (obrigação de fazer) e a não publicidade de informações sensíveis do contratante pelos envolvidos no desenvolvimento do produto (obrigação de não fazer).
 

Mas como o contrato é fonte da obrigação, os dois Institutos estão submetidos aos valores e princípios constitucionais no mesmo grau de intensidade.

 

4. Contratos complexos que exigem habilidades formativas complexas dos profissionais da área jurídica
 

O contrato é, por excelência, um conceito da área jurídica com suporte na ciência econômica. Entretanto, o sistemático desenvolvimento de novas tecnologias com ampla aceitação e adoção pelo mercado de trabalho exige do profissional da área jurídica a constante atualização formativa e, em muitos casos, a especialização em nichos de mercado específicos, de forma a atender as expectativas de sua clientela e obter visibilidade em contextos com alto grau de competitividade. Essa visão está expressa de forma clara no livro “The End of Lawyers? Rethinking the nature of legal services[7], com a defesa de um perfil atualizado para o advogado a incluir expertise em tecnologia. A esse profissional atualizado o autor denominou “Engenheiro Legal” ("Legal Knowledge Engineer").
 

Um exemplo dos requisitos de conhecimentos multidisciplinares no contexto dos contratos está presente na tecnologia denominada BIM (“Building Information Modelling”), que está revolucionando as práticas adotadas na construção civil [8]. De forma simplificada, a tecnologia exige, para a elaboração de contratos (e prevenção de eventuais ilícitos caracterizadores de responsabilidades civis), além da acentuada experiência jurídica, sólidos conhecimentos em engenharia, tecnologias digitas e sistemas de gerenciamentos de informações [9].

 

5. Teoria do Contrato
 

contratos


Na Teoria dos Fatos Jurídicos, o Contrato é espécie de Negócio Jurídico, pois se caracteriza como regulação da autonomia da vontade entre as partes a produzir efeitos jurídicos vinculantes entre elas [10]. Exemplo da regulação da vontade entre as partes é a regra contida no artigo 476 do Código Civil de 2002, in verbis [11]: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".
 

Duas possibilidades conformam a autonomia da vontade, que são a liberdade de contratar e a liberdade contratual [12]. A primeira remete à possibilidade de vinculação em determinada relação negocial, pois o contrato é espécie de Negócio Jurídico, enquanto a segunda diz respeito ao estabelecimento do conteúdo contratual.
 

Ao fixarem conteúdos específicos com fundamento na liberdade contratual, as partes originam contratos atípicos, com regras autônomas diferenciadas ou ausentes nos padrões jurídicos predominantes, desde que não violem a prevalência do interesse público. Por outro lado, tem-se acentuado de modo intenso o denominado “dirigismo contratual” expressos no artigo 421 do Código Civil de 2002 (“a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”), com a edição de normas legislativas que limitam o exercício da autonomia da vontade em diversas áreas da atuação econômica, como direito do trabalho, código de defesa do consumidor, direito empresarial.
 

Quanto ao formato, o contrato pode ser escrito ou verbal. Uma característica do contrato verbal é que, se inadimplido, sua comprovação é dificultada em juízo por ausência de condições (termos) escritas que permitam consenso claro e preciso sobre as prestações pelo devedor. Nesse caso, outros meios de provas devem ser providos.
 

Os contratos escritos podem assumir a forma de instrumentos particulares, que são elaborados pelas partes, ou instrumentos públicos, que exigem forma especial (registrados em cartório): Artigos 108 e 109 do Código Civil: “Art. 108.Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”; “Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.
 

A existência [13] do contrato exige a observação das condições de existência do negócio jurídico, como estabelecido no artigo 104, inciso I (“agente capaz”). A validade do contrato está, especificada no artigo 104, incisos II e III, e seguintes do Código Civil de 2002. A capacidade das partes é caracterizada do seguinte modo:
 

Art. 3° São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos
.”
 

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

 

Sugestão de leitura:

CASSETTARI, Christiano. Reflexões sobre a Teoria Geral dos Contratos

RESUMO: “Com o advento no Novo Código Civil surge uma nova teoria geral dos contratos, baseada em princípios importantíssimos para se evitar os excessos que a obrigatoriedade da convenção, ou seja, o “pacta sunt servanda”, trazia para as relações contratuais.

Novos princípios foram introduzidos na teoria geral dos contratos com o advento do Código Civil vigente, que a aproximaram, e muito, do Código de Defesa do Consumidor. Refiro-me aos princípios da função social do contrato e da boa fé objetiva, descritos, respectivamente, nos artigos 421 e 424 da novel legislação
”.
 


5.1. Garantia Contratual ao Credor
 

Por estar relacionado à solução de problemas, o contratante (credor) pode exigir do contratado (devedor) garantias financeiras que objetivem a inibição do inadimplemento. Se assim não for, o contrato pode ser fonte de problemas mais graves que o originalmente existente pois, além de não obter o resultado desejado, um novo problema consistente no mau emprego de recursos e prolongamento temporal da concretização da solução inicialmente buscada. Tais garantias devem estar contratualmente previstas e contarem com a concordância das partes.
 

As garantias contratuais podem ser reais ou pessoais.
 

Garantia Real é o instituto que permite ao devedor destacar um bem específico de seu patrimônio para garantir o ressarcimento ao credor na hipótese de inadimplemento da obrigação. Garantia Pessoal é o instituto que permite a terceiro assumir responsabilidade pelo adimplemento da obrigação caso o devedor não o faça. Está representada na fiança, no aval e no garante solidário (devedor solidário).
 

A garantia real confere ao credor privilégio no recebimento do crédito. Estabelecida a garantia em contrato escrito celebrado entre as partes, e preenchidas as formalidades legais, o contrato somente poderá ser revogado após cumprimento da obrigação garantida.
 

O Código de Processo Civil brasileiro determina que o devedor responda com seus bens presentes e futuros ao cumprimento das obrigações, observadas as limitações legais. Se o contrato conter cláusula de garantia real e o devedor não honrar a obrigação, então responderá com o bem garantidor.
 

Se o bem garantidor estiver hipotecado ou penhorado, então estará vinculado ao cumprimento da obrigação, assegurando ao credor a preferência sobre o preço apurado por ocasião da alienação, ainda que em execução judicial promovida por terceiro.
 

No tocante aos contratos com a administração pública, a Lei 8.666/93, no artigo 56, prevê a exigência de garantias do contratado de modo a mitigar a possibilidade de inadimplemento.
 

Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
 

Classes de credores

Credor quirografário: não possui direito real de garantia, pois o crédito está representado por títulos oriundos de uma obrigação, como, por exemplo, o cheque e a nota promissória.
 

Credor hipotecário: possui direito real de garantia, que pode ser exercido por bem móvel ou imóveis sujeitos a hipoteca.
 

Credor pignoratício: possui direito real de garantia sobre bem móvel.
 

Credor anticrético: possui direito real sobre rendas.
 

 

5.2. Pacta sunt servanda e Rebus sic standibus
 

Pacta sunt servanda: Celebrado o contrato, este não pode ser modificado unilateralmente e obriga as partes ao seu fiel cumprimento nos limites da legalidade.
 

Rebus sic stantibus representa uma limitação fática ao pacta sunt servanda derivada da teoria da imprevisão. Essa limitação (situação não prevista no acordo de vontades) possibilita a revisão do contrato.
 

O Pacta sunt servanda e o Rebus sic stantibus estão presentes nos artigos 421 e 421-A do Código Civil de 2002, com redação dada ou incluídos pela Lei nº 13.874, de 2019, in verbis:
 

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato [limitação ao pacta sunt servanda].

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual (atribuição de eficácia ao pacta sunt servanda).

Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução
(autonomia da vontade com base no pacta sunt servanda);

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (eficácia ao pacta sunt servanda)

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada” (situação de aplicação do redibus sic standibus.” (sem destaques no original).
 

Sugestão de leitura: Rebus sic standibus

GOULART, Henrique Gouveia de Melo. A teoria da imprevisão e seus reflexos na função social do contrato

RESUMO: "A Teoria da Imprevisão pode ser definida com a vertente moderna da chamada cláusula rebus sic stantibus. Esta cláusula, por sua vez, pode ser entendida como “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão assim”. Em termos contratuais, significa dizer que o contrato será cumprido rebus sic stantibus (estando as coisas como estão).

O professor Miguel Maria de Serpa Lopes ensina:

A imprevisão consiste, assim, no desequilíbrio das prestações sucessivas ou diferidas, em consequência de acontecimentos ulteriores à formação do contrato, independentemente da vontade das partes, de tal forma extraordinários e anormais que impossível se tornava prevê-los razoável e antecedentemente. São acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Consequentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força obrigatória dos contratos.
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5.3. Limitação na liberdade de contratar
 

A limitação na liberdade contratual (necessidade de contratar, com quem contratar, o quê contratar, como contratar e quando contratar) decorreu de metamorfoses nas relações sociais, que imprimiram limitações significativas nos interesses individuais quando confrontados com interesses coletivos e situações políticas geradores de instabilidades sociais. Contrapondo-se à hegemonia da autonomia privada nos contratos (manifestação da autonomia da vontade), a função social dos contratos (aptidão para gerar contratos que incentivem o desenvolvimento econômico de modo amplo e sustentável) defende que, se a liberdade contratual ofender valores sociais e causar graves desequilíbrios entre os direitos e obrigações das partes, então deve sofrer as limitações necessárias a mitigar esses desequilíbrios, fazendo que, para merecer a tutela jurídica, o interesse do credor deve ser legítimo de acordo com os fatos enfrentados pelo devedor.
 


6. Referências Bibliográficas
 

[1] WILLIS, Hugh Evander. Rationale of the Law of Contracts. Indiana Law Journal: Vol. 11: Iss. 3, Article 2.

[2] Sobre os Planos do Negócio Jurídico ver Planos do Negócio Jurídico

[3] ADIERS, Moacir. Fontes das Obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 832, p. 68, fev / 2005.

[4] HENRIQUES, Fábio Trubilhano Antonio. Linguagem Jurídica e Argumentação: Teoria e Prática. São Paulo: Atlas, 5. ed. rev. e atual., 2017, edição digital.

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: volume 3: contratos / rev. e atual. Caitlin Mulholland. Rio de Janeiro: Forense, 2018, 22. ed., edição digital.

[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: volume 2: obrigações / rev. e atual. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, 2017, 29. ed., edição digital.

[7] SUSSKIND, Richard. The End of Lawyers? Rethinking the nature of legal service. New York: Oxford, 2008.

[8] SACKS, Rafael; EASTMAN, Charles; LEE, Ghang; TEICHOLZ, Paul. BIM Handbook. A Guide to Building Information Modeling for Owners, Designers,Engineers, Contractors, and Facility Managers. Haboken, New Jersey: Wiley, 2018, 3rd. ed.

[9] DOUGHERTY, Jason M. Claims, Disputes and Litigation Involving BIM. New York: Routledge, 2015.

[10] Sobre a Teoria dos Fatos Jurídicos ver Negócio Jurídico

[11] Expressão latina comum em petições com o significado de "nestes termos".

[12] Sobre a Liberdade de Contratar ver A Função Social do Contrato

[13] O artigo 104 do Código Civil de 2002 inclui a capacidade entre as condições de validade do negócio jurídico. Entendemos que a capacidade é condição de existência, pois nesse plano estão os elementos essenciais necessários ao nascimento do negócio jurídico. São a vontade e sua declaração, o agente, o objeto, a forma e finalidade. Ora, se a pessoa está impedida de praticar os atos da vida civil, então não pode dar causa ao nascimento desse ato.

 

 

 

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