2.3. Formação dos Contratos – Estipulação em Favor de Terceiro, Promessa de Fato de Terceiro, Contrato Aleatório e Contrato com Pessoa a Declarar
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
2.3. Formação dos Contratos – Estipulação em Favor de Terceiro, Promessa de Fato de Terceiro, Contrato Aleatório e Contrato com Pessoa a Declarar
2. Estipulação em Favor de Terceiro
3. Promessa de Fato de Terceiro
5. Contrato com Pessoa a Declarar
1. Prólogo
A manifestação livre e desimpedida da vontade é requisito de existência do negócio jurídico. Entretanto, em ambientes sociais competitivos e nos contextos que envolvem interesses patrimoniais, a manifestação da vontade, ainda que autônoma, é condição necessária mas não suficiente para caracterizar a solução de problema, aqui entendida como condutas voltadas para a consecução de fins definidos. Não é suficiente porque uma manifestação de vontade sem a devida cautela, muitas vezes apoiada em crenças que não condizem com a realidade dos fatos, pode induzir resultados opostos ao pretendido: em vez de solucionar problemas, criar problemas, aqui entendido como conflitos de interesses.
A Promessa de Fato de Terceiro é um Instituto Jurídico que denota com perfeição a possibilidade de geração de problemas. Sem consulta a terceiro determinado, uma das partes assume, sem o devido consentimento ou autorização, negócio jurídico com substituição da vontade daquele pela sua própria. Basta a não ratificação do negócio jurídico pelo terceiro envolvido para que a parte que deu causa ao conflito seja conduzida a juízo para restauração do status quo ante, com seu patrimônio respondendo por eventuais perdas e danos, despesas judiciais e advocatícias.
Em menor grau, a Estipulação em Favor de Terceiro, sem a devida anuência e entendimento contratual, também pode ser fonte de conflitos judiciais. Basta que o terceiro beneficiado, com fundamento único e exclusivo na sua autonomia da vontade, não ratifique o negócio jurídico e que essa não ratificação cause danos a alguma das outras partes para que o negócio seja resolvido nos tribunais, com consequências patrimoniais indesejadas.
Tais cenários refletem a necessidade de cautela, experiência e planejamento na pactuação de negócios jurídicos com vistas à mitigação de conflitos de interesses futuros. Daí a importância do Contrato Preliminar estudado alhures [1].
Duas análises de situações empíricas, extraídas do portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e que resultaram em ajuizamento de ações, serão analisadas neste encontro. Uma envolve a Estipulação em Favor de Terceiro e a outra a Promessa por Fato de Terceiro.
Em sentido oposto da Promessa de Fato de Terceiro e da Estipulação em Favor de Terceiro, o Contrato com Pessoa a Declarar é instituto criado com o claro intuito de incentivar e dar segurança jurídica às novas celebrações negociais que nascem nos mercados econômicos. Representa inovação que objetiva atender as novas configurações de gestão presentes nas sociedades globalizadas, entre elas as abordagens jurídicas de cenários que tem na solução de problemas (condutas planejadas e ações otimizadas com vistas à obtenção de resultados expressivos e com mitigação de danos a terceiros) uma forma racional de induzir o crescimento econômico.
2. Estipulação em Favor de Terceiro
A Estipulação em Favor de Terceiro está regulada nos artigos 436 – 438 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção III (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Da Estipulação em Favor de Terceiro).
No contrato, os efeitos da pactuação entre as partes devem limitar-se-ão à esfera patrimonial dos contratantes, sem atingir direitos de terceiros que não demonstrarem, pela manifestação da vontade, interesse sobre o negócio jurídico (princípio da relatividade dos efeitos do contrato). Entretanto, a estipulação em favor de terceiro é uma exceção em que o credor (estipulante) convenciona com o devedor (promitente) que este deverá realizar determinada prestação patrimonial em favor (nunca contra) de terceiro (beneficiário) alheio à relação jurídica e nela não representado. Como a declaração de vontade do beneficiário não integra, no momento da pactuação, o negócio jurídico, ele pode recusar a prestação em seu benefício, negando eficácia ao contrato que, entretanto, permanece válido. Se aceitar, tornar-se-á credor promitente da relação contratual.
É negócio peculiar em que somente o promitente assume o encargo de realizar prestação em favor de terceiro que, se não cumprida, resulta em perda e danos. Se o promitente é capaz e o objeto do contrato é lícito, a promessa por ele feita o sujeita ao cumprimento do prometido. Do beneficiário não é exigida capacidade civil no momento de formação da convenção negocial. Essa capacidade será exigida somente no momento de cumprimento da obrigação.
O Código Civil, no art. 436, permite ao estipulante exigir o cumprimento da obrigação. O beneficiário, também pode exigir se aceitar os termos contratuais.
Se estiver contido em cláusula contratual, o estipulante poderá exonerar o devedor, fato que resulta, em termos práticos, na revogação do negócio jurídico (interpretação a contrario sensu do artigo 437 do Código Civil de 2002: “Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução [direito de reclamar a execução significa o direito de exigir o adimplemento contratual], não poderá o estipulante exonerar o devedor [não exonerar o devedor significa que o negócio jurídico não poderá ser revogado]”).
O artigo 438 determina que “O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante” (sem destaque no original). “Poder reservar-se o direito“ significa que, para ter o poder de substituir o beneficiário do contrato, o estipulante necessita ter previsto contratualmente essa possibilidade.
Exemplo típico da Estipulação em Favor de Terceiro é a estipulação de seguro em benefício de terceiro. Uma pessoa (estipulante), pelo pagamento de prêmio, convenciona com uma seguradora (promitente) a promessa desta pagar a terceiro indicado pelo estipulante (beneficiário), determinada importância em dinheiro mediante a ocorrência de fato futuro específico. O terceiro beneficiário não é parte no negócio jurídico entre segurador e segurado; apenas se beneficia com a promessa resultante.
Entretanto, nem toda estipulação de seguro é exemplo de aplicação do Instituto. Muito comum atualmente, a aquisição de bens com garantia estendida (garantia de funcionamento adequado do bem após o prazo legal disponibilizado pelo fabricante) não é, necessariamente, exemplo de estipulação em favor de terceiro, pois nesta modalidade de seguro o beneficiário pode ser o próprio estipulante em razão do bem destinar-se a uso próprio (se, na vigência da garantia o bem apresentar vício, o conserto será bancado pela seguradora ou o valor monetário do bem restituído ao estipulante).
A seguir, exemplo prático da estipulação em benefício de terceiro que resultou em conflito de interesses levado a juízo (Processo Digital 0015728-88.2017.8.26.0001, extraído do portal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os nomes das partes foram omitidos e as ênfases observadas na sentença não constam no original, tendo sido incluídas somente para fins de aprendizagem de conteúdos). In casu, foi firmado contrato de adesão em plano de saúde em favor de terceiro sem que o estipulante analisasse adequadamente os cenários possíveis concernentes a eventuais reajustes nas prestações ("reajustes de 28,8% e 34,9% em ocasiões sucessivas"). Também parece ter existido desconhecimento sobre as consequências fáticas decorrentes da manifestação autônoma da vontade, pois o autor mitigou o fato de pertencer a uma associação, onde a vontade da maioria predomina e que essa vontade, se conflitiva com a sua própria, se sobrepõe a esta (“todos os reajustes contaram com a concordância da associação” e “o próprio autor concordou com os reajustes impostos, já que é representado pela associação”).
Depreende-se da inicial que a ré vem aplicando reajustes abusivos ao contrato firmado entre as partes, o que elevou o preço da mensalidade de R$ 616,05 para R$ 1.607,81 no intervalo de dois anos. À vista de tais circunstâncias, pugna o requerente pela inexigibilidade dos reajustes de 28,8% e 34,9%, aplicados em julho de 2016 e junho de 2017, respectivamente. (…)
Impende considerar que o autor é beneficiário do plano de saúde contratado pela M (M...), identificando-se, na espécie, autêntica estipulação em favor de terceiros, disciplinada nos artigos 436 a 438 do CC/2002.
Na estipulação em favor de terceiro a ação para reclamar a satisfação da prestação convencionada se transfere ao beneficiário, porém, não há margem para o beneficiário questionar a validade das cláusulas acordadas. Isto porque houve uma opção do beneficiário em aderir ao contrato, ainda que de adesão. Portanto, não tem o autor direito à revisão de cláusulas contratuais.
Ademais, há de se reconhecer que o contrato discutido se refere a plano de saúde coletivo, dirigido a grupo específico (associação de engenheiros, arquitetos e agrônomos), de modo que não estão sujeitos às mesmas regras aplicáveis aos contratos individuais.
Nos contratos de saúde, como em qualquer outro, as partes podem convencionar o reajuste dos valores com base em índice adotado oficialmente como padrão de correção monetária.
Além dos reajustes que objetivam evitar a defasagem dos preços em função da inflação, também é admissível que sejam previstas outras hipóteses, a depender das situações e de momentos determinados no tempo em que podem ser modificados os valores contratuais inicialmente previstos, para atender à peculiaridade da atividade médico-hospitalar, que se fundamenta na ciência atuarial, onde os custos são dimensionados em função das condições de cobertura.
O aumento contratualmente previsto, nessas hipóteses, seja em percentuais ou fórmulas definidas, fornece antecipadamente ao contratante que suporta a majoração dos valores uma perfeita noção dos ônus que lhe serão carreados em cada etapa contratual.
Há de se lembrar que o autor integra uma coletividade e, caso fosse admitido que seu plano não fosse reajustado, haveria de se estender tal entendimento a todos os demais associados.
Não há dúvida de que tal interpretação inviabilizaria a própria continuidade do plano coletivo, que leva em consideração a sinistralidade.
Ademais, há de se considerar que todos os reajustescontaram com a concordância da associação. Ao menos é o que se deduz de folha 07.
De forma indireta, o próprio autor concordou com os reajustes impostos, já que é representado pela associação.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido do autor, pondo fim ao processo, com julgamento do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Sugestão de leitura:
DIAZ, Julio. A estipulação em favor de terceiros revisitada.
RESUMO: “A estipulação em favor de terceiros apresenta-se como uma figura de grande complexidade teórica. O Código Civil de 2002 manteve sem resolver uma série de questões de relevância como a problemática da aceitação do terceiro, a revogação do benefício e as relações entre os distintos participantes que, à luz do direito comparado, poderiam ter sido melhoradas. Com base nos códigos de Quebec, Louisiana, e no Projeto de Código Civil argentino de 1998, analisamos esta forma contratual com sugestões de possíveis alternativas para as diversas problemáticas apresentadas.”
3. Promessa de Fato de Terceiro
A Promessa de Fato de Terceiro está regulada nos artigos 439 – 440 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção IV (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Da Promessa de Fato de Terceiro).
A promessa de fato de terceiro se verifica quando uma das partes se comprometer a obter o consentimento de terceiro na conclusão de contrato, mas sem prévio consentimento desta à realização do negócio jurídico. A eficácia do contrato depende, então, da ratificação posterior de terceiro não obrigado a assim proceder. O contrato é válido mas, para ter eficácia, depende da manifestação de vontade de terceiro.
O único vinculado é o que promete obrigação de fazer (obter consentimento) que, não executada, resultará em perdas e danos, pois ninguém pode vincular terceiro a contrato que não tenha consentido. As obrigações têm como fonte somente a manifestação da vontade do devedor, a lei ou eventual ato ilícito.
Três outros tipos contratuais guardam semelhança com a promessa de fato de terceiro, a saber, a fiança, a gestão de negócios e o mandato. Assim como na promessa de fato de terceiro, na fiança o devedor assume responsabilidade por obrigação de terceiro, mas a fiança é obrigação acessória consistente em dar, enquanto na promessa de fato de terceiro é obrigação principal consistente em fazer. Já na gestão de negócios, dá-se a intervenção não autorizada de pessoa (gestora de negócio) na condução dos negócios de outra (titular do negócio), segundo o interesse, a vontade presumível e responsabilidade desta. A diferença reside no fato de, na gestão de negócios, a parte defender os interesses de terceiro, o quê não ocorre na promessa de fato de terceiro. Finalmente, no mandato pessoa devidamente autorizada, qual seja o representante, expressa condutas em nome e a favor do representado. A diferenciação em relação ao fato de terceiro é que, naquele, existe autorização expressa para substituição na manifestação da vontade, enquanto neste inexiste autorização.
A seguir, exemplo prático da promessa de fato de terceiro que resultou em conflito de interesses levado a juízo (Processo Físico 0002564-84.2011.8.26.0286, extraído do portal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os nomes das partes foram omitidos e as ênfases observadas na sentença não constam no original, tendo sido incluídas somente para fins de aprendizagem de conteúdos). In casu, foi efetuada venda de imóvel com dupla titularidade por um dos coproprietários sem a devida anuência do outro. Este não concordou com o negócio jurídico, ajuizou com sucesso ação de reintegração de posse e a parte que suportou a reintegração ajuizou reconvenção para rescisão contratual. Trata-se, assim, de exemplo cristalino de promessa de fato de terceiro (“alienação de imóvel por autor que se separou da esposa sem obter a devida outorga uxória [consentimento escrito para alienar], já que o imóvel pertencia em parte a ela”). Posto em outros termos, a autonomia da vontade implica na liberdade da pessoa comprometer-se, ou não, com determinada obrigação, mas ao comprometer-se fica irrevogavelmente ligada à palavra dada (“pacta sunt servanda”). Se comprometer-se sem a devida cautela, responderá por sua intempestividade.
W ajuizou ação de rescisão contratual com pedido de tutela antecipada em face de J. Alega que celebrou com o requerido contrato de compra e venda do imóvel narrado na exordial. Sustenta que o requerido não adimpliu com as prestações que lhe cabiam, incidindo na cláusula contratual que previa a rescisão da avença por inadimplemento. Aduz que o documento em que conferiu quitação do valor de R$ 500.000,00 é ideologicamente falso, pois não reflete a realidade. Requer seja o contrato rescindido. (…)
O réu contestou a fls. 184/194. Alega que pagou o sinal de R$ 500.000,00, imitindo-se na posse do imóvel. Posteriormente, ainda depositou mais R$ 250.000,00 ao autor. No momento de efetuar o pagamento em favor da ex-esposa do requerente, porém, esta se recusou a receber, informando que não anuíra no contrato entre as partes. Ela ainda ingressou com ação de reintegração de posse, reavendo para si o bem objeto do contrato. (…)
Primeiramente, não há que se falar em nulidade parcial do negócio por vício de consentimento, vez que no instrumento contratual está adequadamente explicitado que o imóvel pertencia também à esposa do autor e que, inclusive, a ela seria diretamente pago parte do preço.
O que houve, em verdade, foi promessa de fato de terceiro que acabou não adimplida, dando azo apenas e tão somente à pretensão de resolução contratual.
No caso concreto, os elementos constantes dos autos demonstram de maneira satisfatória que ambas as partes inadimpliram em parte com suas obrigações, sendo caso de rescisão contratual.
O autor alienou imóvel que pertencia em parte a sua esposa, da qual se separou, sem obter no instrumento a devida outorga uxória. Em razão disso, o réu, que estava na posse do bem, sofreu condenação em ação de reintegração de posse, sendo compelido a deixar o imóvel.
Por outro lado, o réu se comprometeu no instrumento contratual a arcar com as taxas e tributos incidentes sobre o imóvel, bem como com o pagamento das quotas condominiais, o que não fez.
Além disso, não pagou a integralidade do preço pactuado, não servindo como justificativa a alegada recusa por parte da ex-esposa do autor da parcela que lhe caberia, vez que além do R$ 450.000,00 que ela receberia, faltariam ainda a pagar algumas centenas de milhares de reais em favor do autor.
Diante do inadimplemento recíproco e considerando que ambos os litigantes demonstraram desinteresse na conservação do negócio, de rigor a decretação da rescisão do contrato, retornando os contratantes ao status quo ante.
Considerando os documentos constantes dos autos, imperioso reconhecer que o réu efetivamente pagou ao autor R$ 600.000,00, sendo R$ 500.000,00 comprovados pelo termo de quitação e R$ 100.000,00 pelos comprovantes de TED a fls. 209/210.
Tendo em mente que o negócio se deu sobre a totalidade do imóvel, não sobre a parte ideal do autor, não há que se falar em adjudicação compulsória de 50% do bem em favor do réu reconvinte, por absoluta ausência de manifestação de vontade a esse respeito quando da celebração da avença.
Ainda que assim não fosse, não restou demonstrado o pagamento de 50% do preço, aplicando-se ao caso a exceção de contrato não cumprido, consubstanciada no artigo 476 do CC.
De rigor, portanto, apenas a devolução ao réu reconvinte dos valores por ele efetivamente pagos.
Por fim, tendo sido o contrato inadimplido por ambas as partes, não há que se falar em indenização por danos morais. Aquele que deu causa à rescisão do contrato não pode alegar ter sofrido abalo moral com o descumprimento do avençado pela parte adversa. Admitir o oposto seria desconsiderar por completo a boa-fé objetiva.
Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES a ação e a reconvenção, com fundamento no artigo 487, I, do CPC, para declarar rescindido o contrato entabulado entre as partes e para determinar a resolução do contrato e condenar o autor reconvindo a ressarcir ao réu reconvinte o valor de R$ 600.000,00, atualizado monetariamente desde os desembolsos (configurados nas datas do termo de quitação e dos TEDs de fls. 209/210) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
4. Contrato Aleatório
O Contrato Aleatório está regulado nos artigos 458 – 461 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção VII (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Dos Contratos Aleatórios).
Contrato aleatório é aquele em que a prestação do devedor não é precisamento conhecida ou passível de avaliação prévia (presença de risco elevado) porque dependente de acontecimento futuro incerto. O ganho ou perda financeira para os contratantes são o elemento motriz da obrigação, pois inexiste certeza sobre o fato futuro (como a criação de uma obra de arte ou a colheita de uma plantação), que pode incluir a própria existência do bem (bens corpóreos ou incorpóreos, como créditos, usos de marcas, ações). Exemplos típicos são os contratos de jogo, aposto ou seguro. Exemplo atípico foi a compra pelos Estados Unidos, em 2019 e quando ainda não eram plenamente conhecidas as graves consequências que decorreriam da Pandemia de Covid-19, de 100 milhões de doses da produção do ano seguinte (isto é, produção futura) de vacinas contra a doença pela Pfizer e BioNTech (neste caso específico, o ganho para o Governo Americano foi político e não financeiro). A incerteza residia no fato que a vacina objeto de negócio estava em desenvolvimento (testes experimentais) e inexistia comprovação de sua eficácia (existiam apenas “fortes” evidências).
O negócio jurídico pactuado entre Estados Unidos e as indústrias farmacêuticas Pfizer e BioNTech é contrato aleatório e não contrato condicional com cláusula aleatório porque a álea reside na essência daquele. No contrato condicional com cláusula aleatória a incerteza indica apenas quando o contrato adquirirá eficácia. Já o contrato aleatório a eficácia está presente desde o momento da pactuação, restando incerteza apenas quanto ao cumprimento da prestação ou ao resultado dela advindo.
A incerteza pode versar sobre a existência da coisa ou sobre a quantidade. No caso de versar sobre a existência, o preço ajustado é devido por inteiro. Se for sobre a quantidade, o preço é devido de forma proporcional à quantidade entregue.
Pode ainda a incerteza versar sobre a conservação de coisa (desde que necessariamente envolva risco) com existência no momento da pactuação negocial. O adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebê-la parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, entretanto, ao alienante todo o valor. Exemplo de aplicação deste tipo de contrato pode ser encontrado no transporte marítimo de grãos. Seja o caso do importador contratar com o exportador determinada carga de grãos, que será considerada entregue (tradição) quando depositada no navio que a transportará. Se, durante a viagem, acontecer algum sinistro, mesmo que a perda total da carga, o importador assumirá o prejuízo, com responsabilidade pela quitação da venda (para fazer frente a este tipo de risco são contratados seguros de transportes).
Sugestão de leitura:
SANTOS, Ricardo Bechara. Contrato de Seguro: aleatório ou comutativo?.
RESUMO: “Penso que o contrato de seguro seja o mais típico dos contratos aleatórios, em que pese as opiniões de alguns, respeitáveis diga-se desde pronto, que o qualificam como comutativo.
Assim entendo porquanto o elemento considerável para qualificar a natureza jurídica de um contrato aleatório, distinguindo-o de um contrato comutativo, está na equivalência entre as prestações, eis que, enquanto os contratos tipicamente comutativos são timbrados pela equivalência real das prestações, nos contratos tipicamente aleatórios essa equivalência em regra não existe, justo em razão do risco que o caracteriza como seu elemento nuclear, razão pela qual ouso divergir do entendimento de que o fato de o segurador garantir o risco de que se ocupa o contrato seria o quantun satis para qualificá-lo como comutativo. O simples fato de o risco ser elemento essencial para a existência do contrato de seguro o afasta de qualquer natureza comutativa, até em função da mutualidade e dos cálculos de probabilidades que o regem, chamando para si a estatística e a ciência atuarial para orientarem a sua operação, dispensadas nos contratos comutativos.”
5. Contrato com Pessoa a Declarar
O Contrato com Pessoa a Declarar está regulado nos artigos 467 – 471 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção IX (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Do Contrato com Pessoa a Declarar).
Contrato com Pessoa a Declarar é aquele em que a relação contratual se completa em dois momentos distintos: em um primeiro momento entre o estipulante e o promitente, em conformidade de entendimento do artigo 471 do Código Civil de 2002 (“Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários”); e em um segundo momento, com a substituição do estipulante pelo terceiro nomeado (“Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes”), e o estipulante retirando-se da relação jurídica.
As motivações para este tipo de contrato são predominantemente de gestão de negócios, em que o estipulante ou atua em nome de terceiro que deseja manter-se anônimo nos momentos iniciais da negociação ou atua em nome próprio na busca de oportunidade de investimento para posterior transferência do negócio para terceiro interessado, com mitigação dos efeitos de impostos e tributações.
A Respeito do Instituto, assim se manifesta Castro [2]:
“As novas atividades econômicas são traduzidas por novas operações econômicas. Assim, é necessário averiguar se os modelos contratuais que outrora atendiam às necessidades observadas em outro contexto histórico servem para vestir as atuais operações econômicas. A resposta dependerá dos resultados que se pretende obter, pois cada modelo contratual apresenta uma função distinta. Para algumas novas operações econômicas, contudo, verificou-se que os modelos contratuais antes utilizados não atendiam à dinâmica das atuais necessidades de uma sociedade que visa à celeridade na contratação segura. Assim, a descoberta de outros tipos contratuais é essencial para que o direito contratual acompanhe a evolução social a que deve corresponder.
(…)
O contrato com pessoa a declarar, para além de refletir uma categoria atípica de contrato, que revela diversas possibilidades de criação (e, consequentemente, de problemas) no campo jurídico, denota um aspecto relevante para uma reavaliação das ferramentas jurídicas: a aproximação com conceitos econômicos, que sempre estiveram presentes na disciplina contratual, mas que emergem nesse tipo de contrato de forma clara e objetiva. É, talvez, o contrato com pessoa a declarar, um dos instrumentos jurídicos mais didáticos para avaliar a relação entre o Direito e a Economia, que, após longa separação, com a consolidação como ramos autônomos, voltam a ser analisados como áreas de saber que complementam conceitos e auxiliam na solução de problemas que, especialmente, o operador do Direito não conseguia vislumbrar ou solucionar”.
Referências Bibliográficas
[2] CASTRO, Vitor Lourenço Simão. O Contrato com Pessoa a Declarar no Direito Brasileiro.