2.4. Formação dos Contratos – Vícios Redibitórios e Evicção

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.


Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

2.4. Formação dos Contratos – Vícios Redibitórios e Evicção
 

1. Prólogo

2. Vícios Redibitórios

2.1. Requisitos para configuração do Vício Redibitório

2.2. Exemplo prático da não configuração do Vício Redibitório

3. Evicção

3.1. Exemplo prático da Evicção

 

1. Prólogo
 

Lorenzetti [1] argumenta que, para o cumprimento de uma obrigação, é exigido que:

1) a coisa exista;
2) esteja no patrimônio do devedor (alienante);
3) o devedor detenha sua posse.
 

Se a coisa inexiste, a obrigação é impossível e converte-se em perdas e danos, observada, na legislação brasileira, a exceção dos contratos aleatórios sobre coisa ainda não existente [2]. Se a coisa não estiver no patrimônio do devedor, fica afastada a hipótese de execução forçada em caso de inadimplemento. E se o devedor não deter a posse da coisa, a tradição dependerá da intervenção judicial, a não ser que se tenha convencionado de modo diverso.
 

Supondo que os três requisitos tenham sido cumpridos, a tradição pode ensejar três fenômenos distintos que tornam o cumprimento da obrigação ineficaz. Esses fenômenos são (1) deficiências na qualidade da coisa, (2) vícios (defeitos) e (3) erros, consistentes com as seguintes hipóteses:
 

1) O alienante entrega a coisa, mas o adquirente supunha coisa diferente. Existe, então, erro material sobre a identidade da coisa;
2) O alienante entrega a coisa, mas o adquirente demonstra insatisfação. Existe, então, erro sobre a qualidade essencial da coisa;
3) O alienante entrega a coisa e o adquirente a aceita. Porém, ao utilizá-la no fim a que se destina, percebe defeito no seu uso. Existe, então, um vício redibitório;
4) O alienante entrega coisa com qualidade diferente daquela que a coisa deveria apresentar. Existem então, incumprimento contratual.
 

As hipóteses 1), 2) e 4) são assuntos regulados no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A hipótese 3) é regulada no Código Civil na seção sobre Vícios Redibitórios.

 

2. Vícios Redibitórios
 

Os Vícios Redibitórios estão regulados nos artigos 441 – 446 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção V (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Dos Vícios Redibitórios).
 

Vício Redibitório é defeito somente perceptível pelo exame técnico da coisa que o contém e, por isso, permite a redibição do contrato (faculdade do contratante devolver a coisa e reaver o preço pago). O consentimento do adquirente é perfeito em termos de identificação material e qualidade da coisa comprada e a tradição teve lugar como pactuado. Mas existe um defeito de difícil percepção que impede sua utilidade para o fim a que se destina e que configura inadimplemento contratual sobre a garantia da coisa.
 

contratos
 

Importante: Vício Redibitória é instituto de direito civil e não se confunde com o vício oculto previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A característica comum a ambos é o fato de não serem diretamente perceptíveis.
 

O Código de Defesa do Consumidor caracteriza o vício no artigo 18, a saber: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas”. São ocultos os que não são facilmente perceptíveis ou somente ocorrem com a utilização do produto. Os demais são aparentes.
 

O CDC regula tanto os vícios ocultos quanto os aparentes sob a denominação unitária de vícios, que são aplicáveis às relações de consumo. O Código Civil não trata dos vícios aparentes no instituto Vícios Redibitórios, que abrange qualquer contrato comutativo (contrato com prestações equivalentes entre as partes, que dessas prestações tem ciência).

 

2.1. Requisitos para configuração do Vício Redibitório
 

Os seguintes requisitos devem ser observados na configuração do vício redibitório:

1) Devem ser ocultos (não facilmente perceptíveis), pois se aparentes presume-se a aceitação pelo adquirente (artigo 441 do Código Civil de 2002): “A coisa recebida pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos”. A contrario sensu, se a coisa recebida não foi enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, então o adquirente os aceitou.
 

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.
 

2) Desconhecidos do adquirente no momento da posse ou tradição (entendimento dos artigos 442, 444 e 445, todos do Código Civil de 2002);
 

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.
Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade”.
 

Se o adquirente conhecia do vício no momento da tradição, não rejeitou a coisa e pleitear redibição do contrato ou abatimento no preço, então praticará ato ilícito, a exemplo do contido no artigo 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Por outro lado, se o adquirente desconhecia do vício no momento da tradição ou da posse, então o prazo decadencial está explicitado no artigo 445.
 

3) Existentes no momento da posse ou tradição e que perdurem até o momento da reclamação (entendimento do artigo 445 do Código Civil de 2002);
 

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.” (sem destaques no original).
 

4) Efetivamente prejudiquem a utilidade da coisa ou lhe diminuam o valor (artigo 441 do Código Civil de 2002).
 

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. (sem destaques no original).

 

2.2. Exemplo prático da não configuração do Vício Redibitório
 

Acórdão transcrito do portal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) [3] sobre pleito de suposta presença de vício redibitório em veículo usado, que foi afastado pelo Tribunal em razão do tempo de uso do veículo. No acórdão consta de forma cristalina as regras de aplicação do instituto do vício redibitória e as eventuais consequências em termos de afetação patrimonial, conforme comentários incluídos após cada parágrafo (sem destaques no original):
 

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO OCULTO. (…) DESPESAS PARA O CONSERTO DO BEM VICIADO. PRETENSÃO REPARATÓRIA DE DANO MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAR VÍCIO REDIBITÓRIO NO CASO. VEÍCULO COM VÁRIOS ANOS DE USO. POSSIBILIDADE DE PROBLEMAS PELO DESGASTE NATURAL DAS PEÇAS. AUSÊNCIA DE PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A PREJUDICIAL DA DECADÊNCIA, NO MÉRITO, JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA INICIAL.

1. Na origem, aduziu o autor ter adquirido da parte ré, no dia 15 de agosto de 2015, um veículo Mercedes Benz, modelo Sprinter. Relatou que, durante as negociações, foi informado de que o veículo estava em perfeitas condições. Aduziu que, no dia 27 de agosto de 2015, durante uma viagem entre Brasília e Anápolis, o veículo perdeu força no motor e apresentou um barulho estranho, oportunidade em que solicitou um guincho para uma oficina mecânica. Lá chegando, foi constatado que o motor havia fundido. Nesse contexto, ante à negativa da ré em pagar pelo conserto atinente aos vícios ocultos, requereu indenização por danos materiais e morais, bem como lucros cessantes.

[Neste parágrafo ocorreu a narrativa fática do caso em julgamento.]

2. O Juízo a quo reconheceu a decadência da pretensão de reclamar vício oculto e extinguiu o processo com resolução de mérito.
[O Juiz de 1º grau reconheceu a perda do direito do reclamante em razão do prazo decadencial ter transcorrido.]

3. Entretanto, inaplicável ao caso o artigo 445 do Código Civil, uma vez que é destinado à hipótese de exercício do direito potestativo de redibir o contrato, devolvendo a coisa e recebendo do vendedor a quantia paga, ou de pleitear o abatimento do preço, por meio de ação “quanti minoris” ou estimatória.
[O Tribunal reconheceu que o prazo decadencial não transcorrera por não versar a ação sobre redibição do contrato ou abatimento do preço. A ação versou sobre indenização por dano material.]

3.1. Na hipótese vertente, como não formulada pretensão própria de ação redibitória ou estimatória, mas sim uma indenização pelo dano material decorrente da necessidade de conserto do veículo adquirido, bem assim, compensação por dano moral, a pretensão é de reparação civil, que está submetida ao prazo prescricional de três anos, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. (…)
[Correta identificação da ação: Responsabilidade Civil, com prazo prescricional de três anos – importante: decadência e prescrição são institutos diferentes.]

5. Vício redibitório é o defeito oculto existente na coisa, objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou que lhe diminua sensivelmente o valor. Sabe-se que não cabe alegar vício redibitório por conta de defeitos congêneres, ou seja, que decorrem do desgaste natural pelo uso ordinário da coisa. Ora, trata-se de veículo adquirido com sete anos de uso e quase 170.000 quilômetros rodados. Com efeito, em razão do tempo de uso do veículo, a ocorrência de problemas é algo esperado para bens com tais características. Daí que o comprador não podia descartar a necessidade de possível revisão no veículo, inclusive, retífica do motor, pelo desgaste natural das peças. E aqui não há informações contundentes de que tais circunstâncias foram ignoradas ou mesmo não aceitas pelo recorrente. Afinal, como o veículo possuía quilometragem exacerbada, cabia ao recorrente examiná-lo criteriosamente e avaliar as reais condições do bem, antes de fechar negócio. Em sentido análogo, precedente no TJDFT: APC 2015.01.1.035963-0, Rel. Desembargador Alfeu Machado.
[Embora ação sobre responsabilidade civil, a causa de pedir foi vício oculto. Mas, pelo fato de o objeto do contrato ser veículo usado com elevada quilometragem, o dever de cautela consistente em exame detalhado da coisa com vistas à possíveis defeitos era do comprador, que assim não procedeu (ou não demonstrou nos autos). Portanto, assumiu o risco por eventuais vícios.]

6. Ademais, consoante a distribuição ordinária do ônus da prova (art. 333 do CPC/1973, correspondente ao art. 373 do CPC/2015), cabe ao autor a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito e, ao réu, a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos. Aqui, o autor/recorrente não se liberou do ônus probatório que lhe cabia, pois não comprovou a assertiva de que o réu teria assegurado plenas condições de uso do veículo.
[Ratificação da falta de cautela do adquirente no exame da coisa ou ausência de provas, em sentido oposto, nos autos.]

7. Face ao exposto, em que pese deva ser afastada a prejudicial de decadência, não merecem ser reconhecidos, no mérito, os pleitos autorais.
[Pretensão do autor não atendida.]

8. Recurso CONHECIDO E PROVIDO para afastar a decadência reconhecida na sentença, mas, no mérito, nos termos do artigo 1013, §4º, do CPC, julgar improcedentes os pedidos constantes da inicial. (…)
[Reconhecimento de ausência de decadência da pretensão, mas pedidos improcedentes.]
 

3. Evicção
 

A Evicção está regulada nos artigos 447 – 457 do Código Civil, na Parte Especial do Livro I, Título V, Capítulo I, Seção VI (Do Direito das Obrigações → Dos Contratos em Geral → Disposições Gerais → Da Evicção).
 

Evicção (recuperação judicial da coisa) é, em decorrência de vícios no direito do alienante, a perda total ou parcial da coisa adquirida em favor de terceiro que tenha direito anterior ao do adquirente. A evicção é uma decorrência do dever de garantia ao cumprimento da obrigação imposta a toda alienante (existência da coisa, que pertença ao patrimônio do devedor alienante e que o alienante detenha sua posse, a não ser que convencionado em contrário). Para o adquirente, é uma garantia de pleno direito ao domínio da coisa objeto do negócio jurídico.
 

contratos
 

O alienante tem o dever de entregar a coisa e garantir seu uso e gozo ao adquirente pela defesa contra pretensões de domínio por terceiro, pois pode ocorrer, em razão de evicção, que o adquirente perca a coisa, total ou parcialmente, em razão de sentença judicial baseada em causa preexistente ao contrato.
 

A causa da evicção é vício existente no direito do alienante e transmitido ao adquirente. A perda da propriedade ou da posse da coisa para terceiro é decorrente de sentença transitada em julgado, que a atribui a terceiro por reconhecer que este possui direito anterior ao contrato.
 

Direitos do evicto:

• Restituição integral do preço pago;

• Indenização pelos frutos que tiver pago;

• Indenização pelas despesas e prejuízos;

• Custas judiciais.
 

3.1. Exemplo prático da Evicção [4].
 

"Ao apreciar apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de rescisão contratual e reparação de danos em decorrência da perda de veículo por apreensão promovida pela autoridade policial, a Turma deu parcial provimento ao recurso.

Foi relatada a alegação do autor de que adquiriu de boa-fé o veículo do réu, posteriormente apreendido pela polícia civil em razão de ser objeto de furto.

Para o Julgador, trata-se na hipótese do instituto da evicção, uma vez que ocorreu a perda da coisa em virtude de decisão administrativa que atribuiu a outrem a propriedade do bem.

Com efeito, o Magistrado asseverou que o alienante é responsável pela evicção em todo e qualquer contrato oneroso, pelo qual se transfira o domínio, a posse ou o uso do bem, independentemente de ter agido de boa ou má-fé, tendo, desse modo, o evicto direito à restituição do preço - valor da coisa à época em que se evenceu -, à indenização pelos prejuízos e ao ressarcimento das custas e honorários (art. 450 do CC).

Além disso, os Desembargadores destacaram que à semelhança do que ocorre com o adquirente, o alienante pode demandar contra o alienante anterior para exercer o direito de regresso, sendo certo que o prazo prescricional de denunciação da lide começa a fluir a partir da citação do litisdenunciante (STJ, REsp 439.391/SP).

Dessa forma, a Turma determinou ao réu que restitua ao autor o valor atual de mercado do veículo, bem como a despesa com emplacamento e declarou a responsabilidade dos litisdenunciados pelo reembolso da condenação do réu, afastando a responsabilidade do DETRAN/DF, por não vislumbrar o nexo causal entre a atividade dos funcionários do órgão de trânsito que registraram o automóvel e o prejuízo enfrentado pelo adquirente (STF, RE 134.298/SP)
".
 

Sugestão de leitura:

ZANELLATO, Marco Antonio. Considerações sobre a evicção

RESUMO:… a doutrina sustenta que a evicção ocorre quando o adquirente perde, inteira ou parcialmente, a coisa adquirida, em virtude de sentença judicial, que a atribui a terceiro, por reconhecer que este possui sobre ela direito anterior ao contrato.

Em face dessa definição, pode deduzir-se que o direito à evicção provém: (a) da perda total ou parcial da coisa adquirida pelo comprador; (b) a perda deve resultar de sentença que atribua a mesma coisa a outrem que não o vendedor; (c) a perda da coisa deve ter por fundamento direito anterior ao contrato de compra e venda.

Referências Bibliográficas
 

[1] LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos, Tomo I. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 1999, pp. 270 - 275.

[2] Sobre o contrato aleatório, ver Formação dos Contratos – Estipulação em Favor de Terceiro, Promessa de Fato de Terceira, Contrato Aleatório e Contrato com Pessoa a Declarar.

[3] Disponível em Vício oculto em veículo usado não gera dever de indenizar.

[4] Disponível em Responsabilidade do Alienante pelos riscos da evicção.

 

eviccao