4.1. Espécies de Contratos - Compra e Venda

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.


Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

4.1. Espécies de Contratos - Compra e Venda
 

1. Definição de Compra e Venda

2. Elementos da Compra e Vendao

3. Cláusulas especiais à Compra e Venda

4. Características da Compra e Venda

5. Consequências jurídicas do Contrato de Compra e Venda

6. Legitimidade para Compra e Venda

 

1. Definição de Compra e Venda
 

O contrato de compra e venda, espécie de negócio jurídico, está regulado nos artigos 481 a 504 do atual Código Civil (CC), que contém as disposições gerais do instituto, e pelos artigos 509 a 532, que estabelecem regras próprias para as cláusulas especiais à compra e venda.
 

Compra e venda: Código Civil 2002, Art. 481. “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.
 

Para o entendimento do que seja domínio, outros três institutos correlatos requerem entendimento:

 

Propriedade, domínio, posse e detenção não são sinônimos, mas institutos autônomos, embora suas definições precisas sejam objetos de controvérsias teóricas.
 

Propriedade é a instrumentalização do domínio. Domínio é o conteúdo do instituto propriedade, qual seja, a faculdade de dispor, gozar e usar a coisa..O instituto do domínio está intimamente conectado ao instituto da propriedade, mas esta vai além, pois requer considerações sobre sua função social.
 

Sugestão de leitura:

OLIVEIRA, Álvaro Borge de; BORDERES, Kenia Bernardes. Propriedade, domínio, titularidade, posse e detenção

RESUMO:O modo da pessoa se relacionar com a coisa (bem), que no Código Civil vem capitulado no título do Direito das Coisas, há muito tempo é fonte de controvérsias doutrinárias entre os próprios estudiosos do assunto. Ainda que os conceitos de propriedade, domínio, posse e detenção sejam complementares, são todos autônomos, com características que lhe são inerentes. Busca-se, nesse contexto, apresentar os conceitos e demonstrar as principais diferenças destes institutos jurídicos, que não são sinônimos, ainda que a própria legislação, muitas vezes, assim os trate. Entender estes conceitos nucleares, por certo tornará a compreensão e estudo do Direito das Coisas muito mais simples.


Posse: O artigo 1.196 do Código Civil define o significado de posse: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
 

Quatro sentidos para “posse”

Oliveira e Borderes, na obra citada, defendem quatro sentidos para o instituto da posse:

… a posse como direito real, que é manifesta quando o titular de um direito real, também é possuidor, amparando também os desdobramentos dos direitos reais (posse direta e indireta); a posse como direito obrigacional, a qual decorre de uma relação obrigacional, como o aluguel, arrendamento e o comodato, por exemplo; a posse enquanto fato jurídico, desvinculada de qualquer direito real ou obrigacional, é a posse natural, provém apenas de um fato; e por fim, a posse como direito da administração, pois precedida de um ato emanado pela administração, ato administrativo, como ocorre na ocupação temporária e na requisição administrativa.


Domínio: Antes da constitucionalização do Código Civil, domínio e propriedade poderiam ser considerados institutos sinônimos. Com a constituição de 1988, domínio se caracteriza como conteúdo da propriedade, ou o exercício do direito real subjetivo de usar, gozar, dispor e reaver a coisa. É o caso, por exemplo, da usucapião, em que o sujeito detém o domínio, a ser reconhecido em Juízo, mas não a propriedade, que é o direito oponível a terceiros (erga omnes) e que se concretiza com o registro da coisa no nome de alguém no cartório competente, adquirindo, então, a tutela protetiva estatal.
 

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer (ou seja, aquele que teve o domínio reconhecido) ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel. Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (somente após registro aquele que detém o domínio se tornará proprietário)”.
 

Detenção: "A detenção pode ser resumida como o exercício da posse em nome de terceiro, a seu mando ou por sua tolerância, não gozando, desta maneira, o detentor de legitimidade para exigir os seus efeitos, porquanto não a exerce por si." (Oliveira e Borderes, obra citada).

 

2. Elementos da Compra e Venda
 

Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem (autonomia da vontade na busca do consenso) no objeto (coisa que compõe a obrigação de dar do vendedor) e no preço (obrigação de dar do comprador)”.
 

Requisitos de Existência da Compra e Venda
 

• Autonomia da vontade, ou consenso: o contrato de compra e venda exige acordo de vontades e mútuo consentimento sobre preço, objeto e possíveis demais detalhes.
 

No caso de direitos reais com valor superior a determinado patamar, a Lei exige solenidade de escritura pública.
 

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
 

• A coisa: é o objeto da obrigação de dar do vendedor, podendo ser corpórea (objeto físico) ou incorpórea (propriedade intelectual), e obrigação ser presente ou futura (contratos aleatórios).
 

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir”.
 

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada”.
 

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório”.
 

• O preço: é objeto da obrigação de dar do comprador, devendo ter seu valor definido entre as partes.
 

Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço”.
 

Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa”.
 

Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar”.
 

Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação”.
 

Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”.

 

3. Cláusulas especiais à Compra e Venda
 

Espécies de Contratos - Compra e Venda
 

Cláusulas especiais Compra e Venda
 

O Código Civil estabelece as seguintes cláusulas especiais aos contratos de compra e venda:
 

• Retrovenda (reserva do direito de recomprar a coisa vendida no prazo decadencial de três anos): artigos 505 – 508 do CC;
 

Retrovenda
 

Extinção da retrovenda

• Pelo exercício do direito do vendedor;
• Pela preclusão do prazo decadencial (3 anos);
• Pelo perecimento do imóvel;
• Pela renúncia do vendedor.
 

• Venda a Contento e da Sujeita à Prova: artigos 509 a 512 do CC.
 

Venda a Contento é aquela sujeita à condição suspensiva, cujo exemplo é aquisição de objeto que pode ser devolvido em prazo específico se não for do agrado do comprador. Este não é obrigado a justificar a razão para desfazimento do contrato ao vendedor, fenômeno que é identificado como poder potestativo do comprador (ao vendedor não é disponibilizada ou opção que não a sujeição ao exercício do direito pelo comprador).
 

Venda a Contento
 

Venda Sujeita à Prova é espécie de Venda a Contento em que o comprador não entrega o preço e adquire a posse da coisa na forma de empréstimo. Com fundamento na autonomia da vontade, pode tornar-se proprietário pela entrega do preço ou devolver a coisa ao vendedor (artigo 510 do CC). Nesta espécie de contrato, se a coisa perecer na posse do comprador, o prejuízo será do vendedor, que é seu proprietário (res perit domino, ou, a coisa perece para o dono). Já na Venda a Contento, como houve entrega do preço, se a coisa perecer na posse do comprador, este assumirá o prejuízo.
 

Venda Sujeita à Prova
 

• Preempção ou Preferência: o comprador, na hipótese de alienação da coisa a terceiro, tem a obrigação de oferecê-la antes ao vendedor original, para que este exerça o direito personalíssimo (artigo 520) de retorná-la ao seu patrimônio.
 

A Preferência está regulada nos artigos 513 – 520 do CC.
 

Preempção
 

• Venda com Reserva de Domínio, regulada nos artigos 521 – 528 do CC.
 

A Venda com Reserva de Domínio é cláusula contratual aplicável às coisas móveis individualizadas e duráveis em que o vendedor não transfere a propriedade, mas a somente a posse, até que a obrigação tenha sido adimplida.
 

• Venda sobre Documentos, regulada pelos artigos 529 – 532 do CC.
 

Na Venda sobre Documentos, a tradição é substituída por título representativo próprio ou outro documento contratualmente especificado. Com a documentação em ordem, o comprador não pode recusar a entrega do pagamento.

 

4. Características da Compra e Venda
 

Características da Compra e Venda
 

• Contrato Bilateral
 

O contrato tem efeito bilateral, pois composto de duas obrigações e dois direitos concorrentes: o comprador tem a obrigação de entregar o preço e o vendedor de entregar a coisa. O comprador tem o direito de exigir a coisa e o vendedor tem o direito de exigir o preço. Tais contratos são denominados sinalagmáticos, palavra de origem grega e que significa “reciprocidade”.
 

• Contrato Consensual
 

O contrato concretiza-se em função da autonomia de contratar, desde que observada sua função social (Código Civil, art. 421) e antecede a entrega da coisa. O contrato pode ser verbal (Código Civil, art. 107), com exceção da compra e venda de imóvel, que é contrato solene e exige escritura pública (Código Civil, art. 108).
 

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
 

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.
 

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.
 

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
 

• Contrato Oneroso
 

O contrato é oneroso, pois envolve interesses econômicos que podem influir no patrimônio das partes.
 

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação”.
 

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos”.
 

• Contrato Comutativo
 

O contrato é comutativo na medida em que existe equilíbrio entre prestação (preço) e contraprestação (coisa).
 

• Contrato Instantâneo
 

O contrato conclui-se no momento do encontro das vontades, embora a tradição possa ocorrer em momento futuro e o pagamento ser diferido em prestações sucessivas ao longo do tempo.

 

5. Consequências jurídicas do Contrato de Compra e Venda
 

• O contrato é meio para aquisição da propriedade;
 

• O contrato de compra e venda não transfere o domínio da coisa, mas obriga o vendedor a fazê-lo;
 

Se o vendedor não transferir o domínio, a solução está prevista no artigo 389:
 

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
 

• A transferência do domínio dá-se de dois modos distintos:
 

Coisa móvel: pela tradição, que é a entrega efetiva da coisa comprada.
 

Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”.
 

Coisa imóvel: pelo registro em cartório.
 

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.
 

• “A coisa perece para o dono&rdquo (&ldqui;res perit domino&”)
 

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”.

 

6. Legitimidade para Compra e Venda
 

Legitimidade é a autorização legal para execução dos contratos de compra e venda.
 

Por razões de interesse público, em certas situações determinadas pessoas não tem legitimidade para o negócio jurídico sem o atendimento dos requisitos inscritos em lei.
 

Legitimidade para Compra e Venda
 

• Outorga Uxória
 

É a participação necessária de um dos cônjuges no contrato realizado pelo outro quando do ato praticado haver a possibilidade de resultar lesão ao patrimônio familiar.
 

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (...)
III – prestar fiança ou aval
”.
 

Caso alguma das situações acima especificadas ocorra, o negócio jurídico é anulável.

 

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal” (sem destque no original).
 

Entretanto, caso a recusa seja injustificada, o Juiz poderá suprir a outorga.
 

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la”.
 

ATO NULO – É nulo o ato que, ainda que reúna os elementos necessários a sua existência, é praticado com violação da ordem pública, lei, bons costumes ou inobservância da forma prescrita em lei (Código Civil, art. 166). Ele poderá ter sua validade contestada a qualquer tempo (Código Civil, art. 169), embora seus efeitos persistam enquanto a contestação não ocorrer (Código Civil, art. 170).

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade
.

ATO ANULÁVEL – É aquele passível de perder sua validade em face de decisão judicial (Código Civil, art. 172).

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro
.


• Consentimento da Venda de Ascendente a Descendente
 

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.
 

Objetivo do artigo: proteger a igualdade da herança entre os filhos, evitando a doação disfarçada de compra e venda a preço vil.
 

• Negócio Jurídico Não Nulo
 

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade.

 

• Exercício da Preferência pelo Condômino
 

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência”.

 

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