4.4. Espécies de Contratos - Doação
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
4.4. Espécies de Contratos - Doação
1. Conceituação
A Doação está contida na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo IV, Seção I (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Da Doação), que abrange os artigos 538 – 554, e na Seção II do mesmo Capítulo (Da Revogação da Doação), que abrange os artigos 555 – 564.
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra” (sem destaque no original).
A doação é espécie de contrato em razão de sua forma, que exige a presença de duas partes: o doador e o donatário.
O contrato de doação requer gratuidade na obrigação de transferir o bem objeto da doação, com ausência de recompensa patrimonial pela outra parte. Se houvesse contrapartida patrimonial, então seria contrato de venda e compra ou contrato de permuta.
A coisa doada não fica sujeita a vícios redibitórios (defeitos materiais) ou à evicção (defeitos jurídicos).
2. Requisitos da Doação
• O negócio jurídico deve ser válido, como regrado no artigo 104 do Código Civil de 2002:
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz; [o doador deve ser absolutamente capaz]
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei” [em geral, os contratos de doação devem ser formalizados por escrito, mas algumas espécies de doação exigem requisitos específicos, como escritura pública].
• Aceitação: o donatário não pode recusar a doação;
• Gratuidade: se a gratuidade (inexistência de contrapartida patrimonial) estiver ausente na obrigação de transferência do bem doado, então se configurarão contrato de venda e compra ou contrato de permuta. Entretanto, a gratuidade não impede a exigência pelo doador do cumprimento de determinada obrigação pelo donatário, como a prestação de serviços específicos.
3. Espécies da Doação
• Doação Simples: doação por liberalidade ou generosidade, sem nenhum tipo de contrapartida.
• Doação Condicional: é a doação condicionada por evento futuro incerto.
“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.
• Doação a Prazo ou termo: é a doação condicionada por evento futuro certo.
• Doação Modal: exige uma contraprestação (ônus) de pequena monta de modo a não caracterizar venda e compra ou troca.
• Doação em fraude contra credor: é a doação efetuada pelo insolvente (Código Civil, art.158).
• Doação Ilegítima: quando o donatário não possui legitimidade para ser proprietário da coisa.
“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”.
“Art. 1.749. Ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade: (…)
II - dispor dos bens do menor a título gratuito;”
• Doação Inoficiosa: O cônjuge não pode doar seus bens além do que tem legalmente direito.
“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.
“Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”.
• Doação Remuneratória: “Em geral, a doação é o contrato de transferência em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o de outra (art. 538 do Código Civil). Por sua vez, a doação remuneratória é uma doação por agradecimento, que é feita em retribuição a favor ou serviço prestado que não pode ser exigido judicialmente (pois se fosse, não seria doação remuneratória, e sim, pagamento), pois o doador não tem o dever jurídico de doar, porém, sente-se na obrigação moral de remunerar o donatário” (Agravo de Instrumento 70076068881, Oitava Câmara Cível da Comarca de Passo Fundo, Tribunal de Justiça do RS, Assunto CNJ: Inventário e Partilha. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 12/04/2018 e Publicado no Diário da Justiça em 16/04/2018).
A doação remuneratória dos serviços realizados em benefícios dos ascendentes não se sujeita à colação (dever de trazer ao inventário para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente:
“Art. 2.011. As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação”).
Pelo Inciso I do artigo 564 do Código Civil, a ingratidão não revoga a doação remuneratória.
Exemplo típico de doação remuneratório é a gorjeta.
• Doação com Cláusula de Reversão:
“Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário;
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro” (sem destaque no original).
• Doação Universal: A legislação impede que o doador doe a integralidade do seu patrimônio. Isso porque, além da necessidade de recursos para a manutenção física do doador, somente 50% do patrimônio total está disponível para a doação, pois a outra metade integra a parcela que deverá ser transmitida aos herdeiros (cônjuge, filhos, genitores, …).
“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador” (sem destaque no original).
4. Revogação da Doação
Por constituir liberalidade e generosidade, a doação não admite ingratidão por parte do donatário, constituindo-se o respeito ao doador pelo donatário em obrigação de não fazer.
“Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:
I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;
II - se cometeu contra ele ofensa física;
III - se o injuriou gravemente ou o caluniou;
IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.”
Sugestão de leitura:
STANICIA, Sergio Tuthill. A doação no Código Civil Brasileiro: reflexões sobre sua estrutura contratual e obrigatoriedade do cumprimento pelo doador
RESUMO: “A discussão acerca do conceito jurídico de doação é relevante, pois o direito seleciona fatos da vida que deseja submeter a uma determinada disciplina jurídica, em razão de política legislativa, e os conceitua por meio de regras constitutivas. No Código Civil brasileiro, a doação é o contrato por meio do qual o doador “transfere” bens ou vantagens (art. 538) gratuitamente ao donatário. No Código Civil francês, por outro lado,a doação é disciplinada ao lado do testamento como uma das espécies de “liberalidade”, e é definida como “ato” não como “contrato” (art. 894). No Código Civil italiano, por fim, a doação também é disciplinada junto ao direito das sucessões, mas definida expressamente como “contrato” (art. 769). De acordo com o Código Civil francês, a transferência do bem doado deve ocorrer “atualmente e irrevogavelmente”; já o Código Civil italiano admite que a doação possa ser feita tanto por meio da transferência imediata, quanto da “assunção de uma obrigação”. No Brasil, a doutrina discute se o contrato de doação é real ou consensual, e se é admissível o contrato preliminar de doação. Em vista disso, este artigo se propõe a: (i) traçar um perfil das definições de doação adotadas pelos códigos civis francês e italiano, em comparação com o brasileiro; (ii) discutir aspectos relevantes que envolvem a estrutura da doação como um contrato; (iii) e a possibilidade de cumprimento obrigatório da prestação pelo doador.”