4.5. Espécies de Contratos – Locação de Coisas
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
4.5. Espécies de Contratos – Locação de Coisas
3. Elementos essenciais do Contrato de Locação em geral
4. Condições de validade do Contrato de Locação em geral
5. Disputa Judicial envolvendo Contrato de Locação (exemplo prático)
1. Introdução
A Locação de Coisas está regulada na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo V (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Da Locação de Coisas), que abrange os artigos 565 ao 578.
Seja a seguinte descrição:
A montadora M produz um modelo de automóvel com boa aceitação no mercado por R$ 50.000,0 a unidade. A locadora L compra periodicamente esse modelo de carro de M e, em razão do volume de unidades adquiridas, tem desconto de 20% sobre o valor de venda. A política de L é locar veículos 0 km para motoristas de aplicativos por R$ 5.000,00 mensais, com seguro contra sinistros incluso, e garantia de, em caso de problema no carro, substituí-lo imediatamente por outro em condições de dar continuidade às atividades do cliente. O período médio de locação é de 6 meses, quando então L vende o veículo no mercado por R$ 30.000,00.
O cenário descrito configura aplicação prática do Instituto da Locação de Coisas (Código Civil de 2002, artigos 565 – 578). Uma rápida análise da narrativa indica que:
1. O negócio é interessante para L, pois, por veículo, em 6 meses o faturamento é de R$ 60.000,00, contra uma despesa de compra de R$ 40.000,00;
2. Embora L garanta a manutenção dos veículos locados e seguro contra sinistros, estas atividades têm seus custos reduzidos em razão da escala (suponha, por exemplo, a locação de 200 veículos mensais, estimativa modesta frente aos quase 150 mil motoristas de aplicativos cadastrados na cidade de São Paulo no ano de 2019.
3. O negócio é interessante para os motoristas de aplicativos, pois não requer a mobilização de capital para aquisição, manutenção, seguro do veículo, e risco de dias parados para os locatários. Adicionalmente, é possível a prestação de serviços com qualidade aos clientes, pois os veículos são novos e com ausência de contratempos oriundos de manutenções deficientes;
4. O negócio é interessante para M, que pode incluir em sua programação determinado número de veículos a serem sistematicamente adquiridos por L;
5. Ao vender um veículo no mercado com seis meses de uso e por 60% do valor do carro 0 km, L cria oportunidades para compradores que necessitam de um veículo como meio de trabalho e julgam adequada a relação custo x benefício na oferta de L;
6. O negócio é interessante para os colaboradores diretos e indiretos de L, M e da Seguradora, pois colabora na expectativa de estabilidade nos postos de trabalho. Este fenômeno se inclui na circulação de riquezas e, como decorrência lógica, no princípio constitucional da Função Social do Contrato.
Outro exemplo da locação de coisas pode ser encontrado na seguinte narrativa:
A Instituição de Ensino Superior I loca cem computadores desktops para seu laboratório de informática da empresa P. Esta garante computadores tecnologicamente atuais, com substituição rápida em situações de mau funcionamento, e com contratos renováveis anualmente, quando ocorrem substituições dos computadores por modelos atualizados. Uma rápida análise do cenário indica que:
1. O negócio é interessante para I, que não necessita imobilizar alto volume de capital em equipamentos para seu laboratório de informática, conta permanentemente com máquinas tecnologicamente atualizadas e sem custos de manutenção;
2. O negócio é interessante para P, pois o negócio de locação garante estabilidade em seu negócio e, após o período de locação de cada computador, seus componentes servem como insumos para serviços de manutenção para terceiros por preços atrativos se comparados com insumos novos. A utilização dos componentes em serviços de manutenções se apoia no princípio que a vida útil de componentes eletrônicos é relativamente estável, que a obsolescência de equipamentos de informática é acentuada e que nem sempre se encontram peças de reposição para computadores com mais de dois anos de vida;
3. A oferta de P para serviços de manutenção é interessante para os consumidores, que nem sempre julgam adequado, na relação custos x benefícios, a renovação de seus equipamentos em curtos períodos de tempo;
4. Os negócios jurídicos descritos caracterizam circulação de riquezas e, como decorrência lógica, se amoldam ao princípio constitucional da Função Social do Contrato.
2. Locação de Coisas
A Locação de Coisas está regulada nos artigos 565 a 578 do atual Código Civil (CC).
A locação de imóveis urbanos (Lei do Inquilinato = Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991) é uma lei esparsa que complementa e expande as regras contidas no Código Civil de 2002 relativos à locação de coisas, como estabelecido no artigo 1°:
“Art. 1º A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta lei:
Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:
a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;
2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
3. de espaços destinados à publicidade;
4. em apart-hotéis, hotéis residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar;
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.
Especificamente, a Lei do Inquilinato determina que, pelo contrato de locação de imóvel urbano, o locatário assume responsabilidades expressamente determinadas na lei. Essas responsabilidades também regulam eventuais sanções relacionadas ao seu descumprimento, como multas.
Código Civil, artigo 565: Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição (sem destaque no original).
Importante:
Se o locador não entregar a coisa ainda que pago o aluguel, resolve-se em perdas e danos. O locatário não pode ocupá-la por não dispor de poder real. Se vendida durante o contrato, o novo proprietário não é obrigado a respeitar a locação, a menos que contratualmente expresso o contrário.
“Art. 576. Se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro.
§1º O registro a que se refere este artigo será o de Títulos e Documentos do domicílio do locador, quando a coisa for móvel; e será o Registro de Imóveis da respectiva circunscrição, quando imóvel.”
3. Elementos essenciais do Contrato de Locação em geral
1. Identificação completa das partes;
2. Descrição detalhada da coisa a ser locada, de eventuais acessórios e do estado da coisa e dos eventuais acessórios;
3. Período de locação (termo inicial – dies a quo – e termo final – dies ad quem), com especificação da possibilidade de prorrogação;
4. Valor da locação e da possível prorrogação, com data de vencimento da prestação;
5. Uso a que se destina a coisa;
6. Constar se, alienada a coisa, o contrato de locação exige cumprimento até o termo final (dies ad quem);
7. Penalidades no caso de inadimplemento;
8. Seja prudente: se a coisa locada for essencial para seus interesses, registre o contrato no cartório competente (artigo 576 e parágrafos do CC).
4. Condições de validade do Contrato de Locação em geral
O contrato de locação de coisas, seja esta móvel ou imóvel, apresenta os seguintes requisitos de validade:
1. Bilateralidade, com direitos e obrigações para as partes;
2. Consensualidade, pois baseado na manifestação livre e desimpedida da vontade dos contratantes;
3. Onerosidade, pois envolve a entrega de prestações certas e determinadas contratualmente expressas;
4. Ausência de forma solene prescrita em lei;
5. Tipicidade, pois regulado pelo Código Civil (artigos 565 a 578).
5. Disputa Judicial envolvendo Contrato de Locação (exemplo prático)
As decisões judiciais, conjuntamente denominadas “jurisprudência”, são fontes confiáveis e propícias para a apropriação de conhecimentos e desenvolvimento da experiência prática. Mas, simplesmente ler determinada decisão não é suficiente para desenvolver essa experiência; é necessário debruçar-se sobre o conteúdo e elaborar uma análise crítica que permita sua compreensão de forma integrada aos textos teóricos estudados em outras ocasiões.
Na sequência é apresentado um exemplo de análise crítica com amparo na abordagem de solução de problemas. Essa análise está dividida em três etapas, a saber:
1) Apresentação de apelação reproduzida do portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;
2) Esquematização gráfica das questões principais decididas na apelação;
3) Apresentação sintética com considerações sobre o julgamento.
Apelação disponível no portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Instituto Jurídico objeto da apelação: Locação de Imóvel (“Aluguel”).
Apelação nº 1018779-55.2015.8.26.0003.
Relator: Soares Levada.
Despejo c.c. cobrança de aluguéis. Nulidade inexistente na sentença, que atendeu ao artigo 489 do CPC, que não pode ser interpretado como se cada decisão ou sentença exigisse um tratado, o que inviabilizaria o Judiciário. Imóvel desocupado por ocasião do ajuizamento da demanda; falta de interesse processual ao despejo. Aluguéis vencidos: autora que se nega a receber as chaves, condicionando o recebimento à realização de reparos no imóvel; inadmissibilidade. Recebimento a ser feito com ressalvas, para possibilitar eventual ação ressarcitória futura. Recusa injusta, porém, não justificando a cobrança de aluguéis após a resilição contratual. Apelo improvido.
Apela a autora da r. sentença que, em ação de despejo por falta de pagamento c.c. cobrança de aluguéis, declarou prejudicado o despejo e rejeitou o pedido condenatório. Preliminarmente, pugna pela concessão da justiça gratuita e pela aplicação do CPC/2015 ao caso, alegando, ainda, cerceamento de defesa. No mérito, pede a condenação ao pagamento de aluguéis e acessórios da locação até o dia do depósito das chaves em cartório. Insiste em não ter pedido a restituição do imóvel ao “status quo ante” e sustenta que a mera denúncia do contrato não implica a rescisão contratual, aduzindo que as provas dos autos levam a conclusões distintas das esposadas na decisão monocrática.
Alega, por fim, descabimento de eventual compensação entre as partes pelas benfeitorias que a ré realizou, de um lado, e os aluguéis a receber pela autora, de outro. Preparo regular, pela concessão da gratuidade judiciária. Contrarrazões pelo improvimento.
É o relatório. Fundamento e decido.
Concede-se a gratuidade judiciária. Os vencimentos da apelante são parcos, o imóvel locado só recentemente poderá ter voltado a lhe render frutos e a contratação de advogado particular não é impedimento ao benefício (CPC, 99, §4º).
Não houve nulidade na sentença. O artigo 489 do CPC não pode ser interpretado como se exigisse um tratado a cada decisão ou sentença, como querem alguns doutrinadores que nada sabem na prática sobre processos (embora filosofem muito, abstratamente), ou o Judiciário será inviabilizado. Os vv. acórdãos citados a fls.159 são simplesmente ilustrativos, uma vez que o d. juiz sentenciante, Dr. Jomar Juarez Amorim, argumentou com remissão concreta aos fatos da causa, ou seja, fundamentou sua decisão independentemente de tais decisões colegiadas.
No mérito, a r. sentença será mantida, por seus e outros fundamentos. A autora, na inicial (fls. 3), admite ter ciência da desocupação do imóvel pela ré, motivo pelo qual não se justificava o pedido de despejo, ausente interesse processual nesse ponto, nas modalidades utilidade e necessidade. A questão das chaves, nesse caso, era meramente formal, devendo ser examinado apenas se havia inadimplemento locatício apto a legitimar o pedido de cobrança cumulado ao despejo.
A resposta é negativa. O contrato foi regularmente resilido pela notificação prévia e, se havia questões outras atinentes ao estado de devolução do imóvel, cabia à autora receber as chaves com ressalvas e propor, oportunamente, ação de ressarcimento dos danos constatados. O que não podia era recusar condicionalmente a devolução do bem sob o argumento de que só o aceitaria após terem sido realizados determinados reparos. A conduta configurou recusa injusta e, nessa medida, são indevidos os aluguéis a partir de cinco de setembro de 2015, data da resilição contratual.
Nada impede que a apelante busque a via ressarcitória, se não fulminada pela prescrição. Mas danos eventuais no imóvel, ou a necessidade de reposição a seu estado anterior, não se confundem com aluguéis vencidos, como aliás notado também na r. sentença.
Pelo exposto, nega-se provimento ao apelo.
Questões importantes suscitadas na Apelação
Considerações sobre a Apelação
O quê se discute?
Apelação contra sentença de 1º grau, que não atendeu a pretensão da apelante em cobrar aluguéis e acessórias até a data de depósito das chaves do imóvel locado em cartório pelo locatário.
Quem se insurge contra a sentença de 1º grau?
A apelante autora da ação em 1º grau, que pleiteia:
(i) gratuidade processual;
(ii) desconsideração de suposto pedido de despejo, pois esta não fora sua intenção ao denunciar o contrato de locação;
(iii) direito de cobrar aluguéis e acessórios do locatário até a data em que este depositou as chaves do imóvel em cartório.
Como foi decidida a apelação?
Foi atendido o requerimento pela gratuidade processual e negado o direito de cobrar aluguéis e acessórios do locatário, pois a autora recusou-se a receber as chaves do imóvel sob argumento que o mesmo ensejaria a realização de obras de manutenção pelo locatário.
Porquê a apelação foi decidida dessa forma?
A Apelante tinha conhecimento da desocupação do imóvel pelo locatário e não poderia recusar a devolução das chaves do imóvel. Eventuais reparos deveriam ser documentados e proposta posterior ação de indenização, já que o contrato de locação fora rescindido. Assim, os aluguéis foram devidos somente até a data de resilição contratual.