4.6. Espécies de Contratos – Empréstimo: Comodato e Mútuo
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
4.6. Espécies de Contratos – Empréstimo: Comodato e Mútuo
2. Disputa Judicial envolvendo Mútuo (exemplo prático)
1. Conceituação
O empréstimo contém duas espécies de negócios jurídicos, regulados na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo VI (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Do Empréstimo), que são o Comodato (Seção I – Do Comodato) e o Mútuo (Seção II – Do Mútuo).
O Comodato está regulado nos artigos 579 a 585 e o Mútuo nos artigos 586 a 592.
Código Civil, artigo 579: “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.
Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria for, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.” (sem destaque no original)
Posse no Comodato e Propriedade no Mútuo
No Comodato ocorre a transferência da posse da coisa, pois esta tem natureza infungível. A coisa deve ser devolvida ao pelo comodatário ao comodante.
No Mútuo corre a transferência da propriedade da coisa, pois esta tem natureza fungível. O Mutuário deve devolver coisa de espécie, gênero e qualidade iguais.
2. Disputa Judicial envolvendo Mútuo (exemplo prático)
Apelação disponível no portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Instituto Jurídico objeto da apelação: Mútuo (espécie do Empréstimo).
Apelação nº 0157067-39.2011.8.26.0100.
Relatora: Jonize Sacchi de Oliveira.
APELAÇÃO – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO – Ausente prova do consentimento do mutuário com os encargos remuneratórios cobrados em empréstimo para crédito pessoal, descabe a capitalização mensal de juros e impõe-se o recálculo das prestações com aplicação dos juros médios de mercado (Súmulas 539 e 530, do Superior Tribunal de Justiça). Entretanto, a condenação à restituição em dobro do indébito somente é cabível quando provada a má-fé da instituição financeira, hipótese não verificada nos autos. Sentença parcialmente reformada para determinar a repetição simples do indébito. Recurso provido em parte.
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra sentença de fls. 163/167 que, nos autos de ação revisional de contrato de mútuo bancário (crédito pessoal), julgou procedente a demanda para: (a) determinar o recálculo das prestações, aplicando juros à taxa média de mercado; (b) afastar a capitalização dos juros; (c) impor a restituição dobrada do indébito.
Inconformado, apela o banco réu (fls. 174-A/185), requerendo a reforma da r. sentença, para (i) possibilitar a capitalização mensal e anual de juros; (ii) afastar a repetição dobrada do indébito.
Recurso tempestivo (fls. 172-A/174-A) e preparado (fls. 186/187).
Após recebimento no duplo efeito (fls. 188), vieram as contrarrazões (fls. 191/207).
É o relatório.
O recurso comporta provimento somente para afastar a repetição em dobro do indébito.
A instituição financeira não logrou comprovar os termos pactuados na avença, limitando-se a trazer aos autos extrato interno da operação, o qual informa unicamente o valor do saldo devedor contemporâneo à data de oferta de contestação (fls. 103/104).
Esse dado é insuficiente para justificar a anuência do mutuário com os encargos praticados. Presta tão somente para fins de controle interno da instituição financeira na gestão do referido negócio.
Tampouco atende, para a aludida finalidade, o demonstrativo carreado pelo próprio autor. Por meio do comprovante é possível extrair as taxas de juros aplicadas, porém nada indica seu consentimento prévio.
Ante a ausência de tal informação, sobressaem suas alegações de ciência deficiente quanto à envergadura do encargo assumido, mostrando-se evidente, in casu, a violação da norma inserta artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, assim disposto:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” - grifei.
Caberia à instituição financeira trazer aos autos o instrumento contratual, ou explicitar a compactuação por outras vias hábeis a externar a ciência prévia do mutuário.
Desse ônus, no entanto, o banco réu não se desincumbiu.
No tocante aos juros praticados, convém pontuar a ausência de impugnação direta contra o capítulo da sentença que limitou as taxas de juros aos patamares médios de mercado.
A instituição financeira apelante empenha-se, nesse aspecto, a discorrer genericamente acerca da possibilidade de convencionar, na prestação de serviços bancários, juros superiores os legais.
Não se volta incisivamente contra a equiparação à referência de mercado. Pincela, brevemente, menção à informação dos juros no “contrato juntado aos autos”, porém se esquece de que não juntou instrumento contratual algum.
Logo, as razões trazidas são insuficientes para desconstituir os fundamentos expostos em sentença quanto a essa matéria, a qual adotou, inclusive, a orientação sedimentada na Súmula n. 530 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos –, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor” - grifei.
Passando à questão da capitalização de juros, melhor sorte não assiste ao banco.
Ausente prova nos autos de que a capitalização mensal foi consentida pelo mutuário, descabe a cobrança dos juros compostos, conforme orientação sedimentada na Súmula n. 539 do Superior Tribunal de Justiça, assim disposta:
“É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada” - grifei.
Nos termos assinalados acima, inversamente ao que aduz a instituição financeira, não se identifica nos autos prova nesse sentido, tendo em vista que as cláusulas contratuais são desconhecidas.
Nem se alegue cuidar de prova a cargo do autor. Uma vez deduzida a irregularidade na capitalização, caberia ao banco, ante a impossibilidade de constituição de prova negativa, trazer o documento apto a evidenciar o contrário.
Mantém-se, pois, a r. sentença também nesse ponto.
Já no que tange à repetição do indébito, o r. Decisum merece reforma, tendo em vista a jurisprudência do Tribunal da Cidadania posicionar-se pela necessidade de prova da má-fé na exigência do crédito em quantia superior à devida.
Sem prova do dolo, a cobrança indevida enquadra-se na hipótese do “engano justificável”, previsto no parágrafo único do artigo 42 do CDC, causa excludente da repetição em duplicidade.
Colacionam-se, por pertinente, os seguintes julgados:
“DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE VALOR INDEVIDO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO COM BASE NO CDC. 1.- A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42,parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. 2.- Agravo Regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp. n. 1.199.273-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, J. 09.08.2011).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE EMPRESARIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. PERCENTUAL DA MULTA MORATÓRIA. FALTA DE INTERESSE DE RECORRER. RAZÕES DISSOCIADAS DA DECISÃO AGRAVADA. JUROS DE MORA. PERCENTUAL. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADOS 282 DA SÚMULA DO STF E 182 E 379 DO STJ. (...) 5. Somente a cobrança de valores indevidos por inequívoca má-fé enseja a repetição em dobro do indébito (…)” (STJ, AgRg no REsp 1127566/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, J. 13.03.2012) - grifei.
Em suma, acolhe-se o recurso para reformar a r. sentença e determinar que a repetição do indébito se dê pela via simples, com correção monetária e juros de mora nos termos lá delineados.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso.
Considerações sobre a Apelação
O quê se discute?
Ação revisional de contrato de empréstimo bancário (mútuo na modalidade de crédito pessoal), com sentença de 1º grau que:
(i) determinou o recálculo das prestações, aplicando juros à taxa média de mercado;
(ii) afastou a capitalização dos juros;
(iii) impôs a restituição dobrada do indébito.
Quem se insurge contra a sentença de 1º grau?
O banco réu, requerendo a reforma da sentença para:
(i) possibilitar a capitalização mensal e anual de juros;
(ii) afastar a repetição dobrada do indébito.
Como foi decidida a apelação?
Foi atendido o requerimento para fastar a repetição dobrada do indébito e negada a possibilidade de capitalização mensal e anual dos juros.
Porquê a apelação foi decidida dessa forma?
A possibilidade de capitalização mensal e anual dos juros requer pactuação expressa com o mutuário, e o banco não a comprovou, pois deixou de anexar aos autos o contrato assinado entre as partes.
“Caberia à instituição financeira trazer aos autos o instrumento contratual, ou explicitar a compactuação por outras vias hábeis a externar a ciência prévia do mutuário. (…)”
No tocante aos juros praticados, convém pontuar a ausência de impugnação direta contra o capítulo da sentença que limitou as taxas de juros aos patamares médios de mercado.
Ausente prova nos autos de que a capitalização mensal foi consentida pelo mutuário, descabe a cobrança dos juros compostos, conforme orientação sedimentada na Súmula n. 539 do Superior Tribunal de Justiça, assim disposta:
“É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”.
O afastamento da repetição em dobro do indébito foi atendido porque não foi demonstrada inequívoca má-fé na cobrança de valor em quantia superior ao devido, caracterizando-se como “engano justificável” a ensejar a devolução do indébito com correção monetária e juros.