4.9. Espécies de Contratos – Depósito
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
4.9. Espécies de Contratos – Depósito
1. Conceituação
O Contrato de Depósito, espécie de negócio jurídico, pode assumir dois tipos: Depósito Voluntário e Depósito Necessário. Ambos estão regulados na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo IX, sendo que a Seção I, artigos 627 – 646, regula o Depósito Voluntário (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Do Depósito → Do Depósito Voluntário), e a Seção II, artigos 647 – 652, regula o Depósito Necessário Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Do Depósito → Do Depósito Necessário). Todos os artigos são do Código Civil de 2002 (CC).
O Depósito Voluntário é contrato em que “o depositário recebe um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame” (artigo 627 do Código Civil de 2002). O depositante entrega a coisa ao depositário (tradição), e este tem a obrigação de devolvê-lo quando solicitado. Portanto, consiste em obrigação de fazer (guarda da coisa) seguida de obrigação de dar (restituição da coisa).
O Depósito Necessário é contrato em que se faz em desempenho de obrigação legal (Artigo. 647, Inciso I) ou o efetuado por ocasião de calamidade (incêndio, inundação, naufrágio ou saque) e está indicado no Artigo 647, Inciso II, do Código Civil de 2002.
O artigo 651, também do CC, estabelece que o depósito necessário presume-se oneroso.
Como pressuposto e requisito de validade para participação no negócio jurídico, nenhuma das partes pode ser absoluta ou relativamente incapaz, como regrado nos artigos 3° e 4° do Código Civil de 2002. Entretanto, no caso do depósito voluntário, existe a exigência de prova escrita da tradição (“Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito”).
O contrato de depósito será bilateral (ou sinalagmático) se envolver retribuição econômica, ou negócio jurídico unilateral se gratuito. Se bilateral, adentra as relações de consumo, com incidência do Código de Defesa do Consumidor, com o depositário a assumir a condição de prestador de serviços e o depositante a condição de consumidor. Incide, então, o artigo 593 do CC, in verbis:
“Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial [na situação em apreço, o Código de Defesa do Consumidor], reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”.
Embora o CC referencia o depósito como relacionado com coisas móveis, Gonçalves (2017, p. 388) acentua que a doutrina e a jurisprudência admitem o depósito de coisa imóvel, em que é exemplo o depósito processual (ou depósito judicial), que tem lugar na penhora e no arresto (apreensão judicial da coisa). O autor esclarece, ainda, que se a coisa for entregue para ser administrada, e não guardada, o contrato configurá o instituto do mandato. Exemplo é a custódia de ações, que envolve o recebimento das bonificações e dividendos. Do mesmo modo, se a coisa for recebida para ser entregue em local diverso e determinado, embora presente o dever de guarda, o Instituto em apreço é o de Transporte, que é o elemento essencial do contrato.
Confirmando o argumento do autor sobre depósito de bens imóveis, o artigo 840 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece:
“Art. 840. Serão preferencialmente depositados:
I - as quantias em dinheiro, os papéis de crédito e as pedras e os metais preciosos, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em banco do qual o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social integralizado, ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz;
II - os móveis, os semoventes, os imóveis urbanos e os direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos, em poder do depositário judicial;
III - os imóveis rurais, os direitos aquisitivos sobre imóveis rurais, as máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis à atividade agrícola, mediante caução idônea, em poder do executado.
§ 1º No caso do inciso II do caput , se não houver depositário judicial, os bens ficarão em poder do exequente.
§ 2º Os bens poderão ser depositados em poder do executado nos casos de difícil remoção ou quando anuir o exequente.
§ 3º As joias, as pedras e os objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate.” (sem destaque no original).
A doutrina, suplementarmente ao contido no Código Civil de 2002, classifica o depósito em diversas espécias, a saber:
• Depósito regular: é caracterizado pelo depósito de coisa infungível e não consumível, que será integralmente restituído pelo depositário;
• Depósito irregular: é caracterizado pelo depósito de coisa fungível e consumível, com a restituição consistindo de coisa de mesmo gênero, qualidade e espécie. Neste caso, são aplicáveis as regras pertinentes ao mútuo, como determinado no artigo 645 do CC:
“Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.”
Monteiro (2003, p. 244) argumenta que o Depósito irregular é aquele em que o depositário pode dispor da coisa depositada, consumi-la e restituir ao depositante outra da mesma espécie, qualidade e quantidade, isto é, ocorre transferência da propriedade do depositante ao depositário pela entrega da coisa para depósito. Daí que o depósito pressupõe coisas individuadas e, se no depósito de coisas fungíveis podem ser restituídas coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade, então o instituto adequado é o mútuo e não o depósito.
A argumentação de Monteiro encontra amparo no Recurso Especial 212886 MA 1999/0039717-7 – STJ – Ministro Eduardo Ribeiro:
Ementa: Execução. Banco. Penhora de dinheiro. O depósito bancário é depósito irregular, a ele se aplicando as regras do mútuo. Passa o dinheiro à propriedade do depositário, contra quem o depositante terá um crédito. Possibilidade de ser o dinheiro penhorado, já que não constitui reserva bancária, nem pertence a terceiro. Litigância de má-fé. Não a configura o uso normal dos recursos previstos em lei. Igualmente não resulta do fato de a parte pretender que incide norma que a corte considerou inaplicável.
• Depósito de hospedagem: Por disposição legal (Art. 649 do CC, incluso na Seção II – Do Depósito Necessário), os depósitos realizados por hóspedes são considerados necessários, onerosos e decorrentes do contrato de hospedagem entre hospedeiro (depositário) e hóspede (depositante);
“Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.”
Esta interpretação é aplicável aos contratos de guarda de veículos em estacionamentos ou garagens. A responsabilidade do depositário abrange qualquer tipo de dano (parágrafo único do art. 649 do CC), a menos que fique demonstrado que o efeito danoso era inevitável (Art. 650 do CC).
“Art. 649. Aos depósitos previstos no artigo antecedente é equiparado o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.
Parágrafo único. Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos.
Art. 650. Cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.”
IMPORTANTE: É cláusula abusiva a disposição unilateral do depositário que estabelece a exclusão de sua responsabilidade pelos objetos confiados à sua guarda e, portanto, nula de pleno direito, nos termos do inciso I do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;”.
Referências bibliográficas
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo, Saraiva, 2017, 14ª ed.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações 2ª parte. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 244 e 245.