4.10. Espécies de Contratos – Mandato

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.


Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

4.10. Espécies de Contratos – Mandato
 

1. Conceituação

2. Mandato versus Procuração

3. Limitação dos poderes do Procurador

4. Requisitos da Procuração

5. Procuração Pública

6. Procuração Judicial

    Referências Bibliográficas
 

1. Conceituação
 

O Contrato de Mandato, espécie de negócio jurídico, está regulado em cinco seções distintas no Código Civil de 2002, inscritas na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo X (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Do Depósito → Do Mandato), a saber:
Seção I: Disposições Gerais – artigos 653 a 666;
Seção II: Das Obrigações do Mandatário – artigos 667 a 674;
Seção III: Das Obrigações do Mandante – artigos 675 a 681;
Seção IV: Da Extinção do Mandato – artigos 682 a 691; e
Seção V: Do Mandato Judicial – artigo 692.

O mandato é contrato em que o mandatário (aquele que tem procuração outorgada e é representante) obriga-se com o mandante (aquele que outorga procuração e é representado) a praticar atos ou administrar interesses em nome deste (representação) como se em nome próprio fossem, e em estrita conformidades com os poderes contidos na procuração. Se oneroso, o mandato será negócio jurídico bilateral; se gracioso, ato unilateral.

Com exceções dos atos personalíssimos em que a lei exige a presença do titular, como o testamento ou sua revogação, os atos da vida civil podem ser praticados por mandatário designado em contrato de mandato;

O artigo 653 do Código Civil de 2002 estabelece que a procuração é o instrumento que efetiva o mandato, in verbis:

Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

Tecnicamente, o mandante contrai direitos e obrigações e as exercita em nome do mandante como se, pessoalmente, integrasse o negócio jurídico. Daí que a confiança, a lealdade e a boa-fé são elementos essenciais do mandato.
 

Mandato
 

2. Mandato versus Procuração
 

Mandato e Procuração são institutos jurídicos diferentes. Mandato é negócio jurídico bilateral (sinalagmático) e consensual, e a procuração é negócio jurídico unilateral. Assim, para o contrato de mandato ser eficaz urge o mandatário ratificar os poderes conferidos pelo mandante.

No sentido exposto, a decisão da 4ª Turma do STJ no Recurso Especial 1345170 / RS 2012/0197293-6 ocorrida em 04/05/2021 e publicada em 17/06/2021. Foi Relator o Ministro Luis Felipe Salomão.
 

1. A procuração é negócio jurídico unilateral; o mandato, contrato que é, apresenta-se como negócio jurídico geneticamente bilateral. De um lado, há uma única declaração jurídico-negocial; de outro, duas declarações jurídico-negociais que se conjugam por serem congruentes quanto aos meios e convergentes quanto aos fins. Por conseguinte, muito embora o nome do outorgado conste do instrumento de procuração, ele não é figurante, pois o negócio jurídico é unilateral.

2. A procuração em causa própria (in rem suam) é negócio jurídico unilateral que confere um poder de representação ao outorgado, que o exerce em seu próprio interesse, por sua própria conta, mas em nome do outorgante. Tal poder atuará como fator de eficácia de eventual negócio jurídico de disposição que vier a ser celebrado. Contudo, até que isso ocorra, o outorgante permanece sendo titular do direito(real ou pessoal) objeto da procuração, já o outorgado apenas titular do poder de dispor desse direito, sem constituir o instrumento, por si só, título translativo de propriedade.

 

Por existir representação no mandato, que é exercido pelo procurador, os atos deste vinculam o mandante na exata extensão dos poderes conferidos, como regrado no artigo 679 do CC). Os atos praticados além dos poderes outorgados no mandato só vinculam o outorgante quando ratificados (Art. 665 do CC). Atos praticados pelo mandatário após a extinção do mandato não vinculam o mandante, com exceção do disposto no Art. 689 do CC.

Art. 665. O mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos.

Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou; mas terá contra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções.

Art. 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa.
 

3. Limitação dos poderes do Procurador
 

É princípio constitucional a disposição da autonomia da vontade que todo sujeito capaz dispõe (Constituição Federal de 1988, Art. 5°, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”). Por outro lado, é princípio geral da teoria das obrigações, em obediência ao texto constitucional, a observação da autonomia da vontade, como estabelece o Código Civil de 2002 no Art. 425, inserido nas Disposições Gerais sobre os Contratos em Geral: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. Da mesma forma, o Art. 661, do mesmo Código, regra que:

Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

§1° Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

§2° O poder de transigir não importa o de firmar compromisso.


Da análise sistematizada dos três artigos citados, é razoável a conclusão que o procurador, quando recebe poderes gerais, tem competência somente para praticar atos de administração ordinária, enquanto que para decidir sobre questões que envolvam maior incidência patrimonial, como, por exemplo, a alienação de bens, precisa ter poderes especiais que o habilitam a praticar atos especificamente indicados. Coelho (2005, p. 313), assim justifica tais fatos:
 

A lei atenta ao fato de que os sujeitos capazes, para estarem livres da possibilidade de fraudes aos seus interesses, devem, entre outras cautelas, administrá-los diretamente. Quando a interposição do representante se faz necessária, isso deve ser tratado como situação temporária e excepcional. Não existe, para a lei brasileira, nenhum meio de o sujeito capaz outorgar a outrem poderes ilimitados de representação. Limitando o alcance da representação, procura a lei preservar os interesses do mandante contra possíveis irregularidades na execução do mandato.
 

4. Requisitos da Procuração
 

O artigo 654 do Código Civil de 2002 estabelece os requisitos da procuração, in verbis:

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1° O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

§ 2° O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.


O substabelecimento consiste na transferência dos poderes que foram outorgados ao procurador para uma terceira pessoa, sem a necessidade do Procurador original justificar as razões do subestabelecimento. O ato está normatizado no artigo 655 do CC.

O subestabelecimento divide-se em dois modelos: com reserva de poderes e sem reserva de poderes. Com reserva de poderes significa, tecnicamente, que o Procurador original não renunciou aos poderes contidos na Procuração, mas que está-se tão somente valendo do auxílio de colega de profissão para a execução de determinados atos. Na procuração sem reserva de poderes, o Procurador original transfere os poderes que lhe foram conferidos ao subestabelecido e fica impedido de exercê-los futuramente.

Os atos praticados por quem não tem procuração ou os poderes suficientes à prática do ato são nulos, a menos que expressamente ratificadas pelo mandante (Art. 662 do CC).

5. Procuração Pública
 

A procuração pode ser por instrumento particular ou público, conforme entendimento do Art. 655 do Código Civil de 2002:

Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.

O artigo 657 complementa o artigo 655, a saber:

Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.

Os artigos 108 e 109 do CC, por exemplo, regram casos em que a procuração deve ser por instrumento público:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.


A escritura pública é elaborada por tabelião que atesta a manifestação da vontade, constituindo, por isso, um negócio jurídico (inciso I, art. 7° da Lei 8.935, de 18/11/1994: “Aos tabeliães de notas compete com exclusividade lavrar escrituras e procurações públicas”).

6. Procuração Judicial
 

A procuração para defesa de interesses em juízo por advogado, como especificado no artigo Art. 692 do CC (“O mandato judicial fica subordinado às normas que lhe dizem respeito, constantes da legislação processual, e, supletivamente, às estabelecidas neste Código”), está regida no Código de Processo Civil de 2015, no Livro III, Título I, Capítulo III (Dos Sujeitos do Processo → Das Partes e dos Procuradores → Dos Procuradores), em especial nos artigos 103 a 105, a seguir reproduzidos:

Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

Parágrafo único. É lícito à parte postular em causa própria quando tiver habilitação legal.

Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente.

§ 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.

§ 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos.

Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

§ 1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.

§ 2º A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.

§ 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.

§ 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença.

 

Mandato

Referências bibliográficas
 


COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil Volume 3. São Paulo: Saraiva, 2005.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo, Saraiva, 2017, 14ª ed.

MARTINS, Sheila Luft. O contrato de mandato in Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Ijuí: Unijuí, ano XIX, nº 33, jan.-jun. 2010 / ano XIX, nº 34, jul.-dez. 2010, pp. 195-208.


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