4.18. Espécies de Contratos – Fiança
Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
4.18. Espécies de Contratos – Fiança
1. Disposições Gerais da Fiança
2. Diferença entre Fiança e Caução
1. Disposições Gerais da Fiança
O Contrato de Fiança está regulado no Código Civil de 2002 na Parte Especial do Livro I, Título VI, Capítulo XVIII, dividido em três seções: Seção I (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Da Fiança → Disposições Gerais), artigos 818 a 826; Seção II (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Da Fiança → Dos Efeitos da Fiança), artigos 827 a 836; e Seção III (Do Direito das Obrigações → Das Várias Espécies de Contrato → Disposições Gerais → Da Fiança → Da Extinção da Fiança), artigos 837 a 839.
A conceituação do Instituto está contida no Art. 818 do Código Civil de 2002 (CC) e exige forma escrita a ser interpretada literalmente, como estabelecida no artigo subsequente:
“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.
Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”.
Características do Contrato de Fiança
• É contrato acessório com objetivo de garantir o cumprimento de um contrato principal;
• O fiador, pessoa que garante satisfazer o credor pela obrigação do devedor, depende da aceitação pelo credor (art. 825 do CC) e pode ser substituído na hipótese de tornar-se insolvente (art. 826 do C);
• É contrato subsidiário: O fiador responde subsidiariamente, isto é, somente se o devedor se tornar insolvente (art. 827 do CC);
• É contrato personalíssimo (“intuitu personae”) relativamente ao fiador;
• É ato unilateral, pois o fiador se obriga perante o credor, que não assume nenhum compromisso para com ele;
• É contrato formal, pois deve ser por escrito e com interpretação literal (art. 819 CC).
Na teoria das obrigações, o vínculo jurídico entre credor e devedor é formado pelos elementos “débito” (“Schuld” [1] em alemão) e “responsabilidade” (“Haftung”). Na obrigação principal, o devedor tem o débito acompanhado da responsabilidade (“Schuld” e “Haftung”). Já o fiador tem somente a responsabilidade (“Haftung”). Para mais bem se compreender o argumento ora apresentado, na dívida prescrita (art. 882 do CC), o devedor tem o débito (“Schuld”), mas, precisamente em decorrência da prescrição do direito, não tem responsabilidade (“Haftung”).
2. Diferença entre Fiança e Caução
Tanto a fiança quanto a caução objetivam garantir o direito do credor em ter satisfeita a prestação pela disponibilidade indireta de bens ausentes da obrigação principal. Insolvente o devedor, o credor busca autorização judicial para buscar nos bens disponibilizados, no caso da caução, ou no patrimônio do fiador, na hipótese da fiança, a satisfação de seus direitos.
A caução é forma de garantia no cumprimento de obrigação, e é composta por quaisquer tipos de bens com valores econômicos suficientes para atender o pretendido. Os artigos 300, § 1°, e 559 do Código de Processo Civil vigente atestam a afirmação “quaisquer tipos de bens” ao fazerem uso da expressão ldquo;caução real ou fidejussória”.
A caução real é a que consiste na entrega de coisa móvel ou imóvel. O dinheiro, por exemplo, é coisa móvel, pois atende à definição contida na segunda parte artigo 82 do CC, como destacado a seguir: “Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”, e à determinação do inciso III do artigo 83 do CC, a saber: “Consideram-se móveis para os efeitos legais os direitos pessoais de caráter patrimonial”.
Um apartamento, por exemplo, é coisa imóvel, em conformidade com o regrado no artigo 79 do CC: “Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.”.
A caução é fidejussória quando um terceiro ausente em um contrato principal se sub-roga no lugar do devedor e disponibiliza bens próprios para garantir o cumprimento da obrigação.
A definição de fiança tem alcance mais restrito que o de caução, pois na caução o devedor pode oferecer bens próprios como garantia da obrigação, como valer-se da fiança mediante sub-rogação de terceiro na obrigação. Já na fiança, necessariamente, a garantida da obrigação deve alcançar o patrimônio de terceiro.
A diferenciação entre caução e fiança é importante porque permite a compreensão adequada de uma das modalidades da fiança, qual seja, a fiança legal. As outras modalidades de fiança são a convencional e a judicial.
• A fiança convencional é resultado de um contrato e está regulada pelo CC nos artigos 818 a 839.
• A fiança legal está implícita nos artigos 1.400 e 1.745, Parágrafo único, do CC, quando a caução é referenciada como exigência legal para os atos neles tratados, como destacado a seguir:
“Art. 1.400. O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e dará caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e entregá-los findo o usufruto.”
“Art. 1.745. (...)
Parágrafo único. Se o patrimônio do menor for de valor considerável, poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo dispensá-la se o tutor for de reconhecida idoneidade.”
• A fiança judicial está prevista em diversos artigos do atual Código de Processo Civil, como exemplificado a seguir:
“Art. 533. (…)
§ 2º O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.”
“Art. 848. (…)
Parágrafo único. A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou por seguro-garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.”
3. Efeitos da Fiança
• O valor do contrato de fiança fica restrito ao valor do contrato principal, não podendo ser mais oneroso;
• Se o fiador cumprir a obrigação que garantiu, pode ajuizar ação contra o devedor principal para recuperar o valor entregue ao credor. Essa ação é denominada ação de regresso (art. 821 do CC);
• O devedor responde por eventuais perdas e danos que o fiador pagar (art. 832).
4. Extinção da Fiança
Extinto o contrato principal, o contrato de fiança se extingue, pois é acessório daquele.
O artigo 838 do CC lista três hipóteses de liberação do fiador, a saber:
“Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:
I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;
[o credor concede novo prazo ao devedor para cumprimento da obrigação após seu vencimento].
II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;
[O fiador sabe que poderá ser obrigado a pagar a dívida, mas também sabe da possibilidade de reaver, do devedor, o que pagou ao credor. Se o credor frustra essa expectativa, extingue-se a garantia].
III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.”
[a dação em pagamento constitui forma de pagamento que extingue a fiança].
O artigo 839 especifica uma quarta hipótese de liberação do fiador, qual seja:
“Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.”
O benefício de excussão, ou benefício de ordem, é o direito do fiador em exigir do credor que acione primeiro o devedor principal na execução de seus bens, como previsto no artigo 827 do CC. Se, porém, o credor retardar a execução e resultar que o devedor se torne insolvente, o fiador se exonera de pagar a dívida se provar que, quando invocado o benefício de ordem, os bens do devedor eram suficientes para quitação da dívida.
Sugestão de leitura:
MOTA, Adriana: As Principais Características da Fiança Bancária.
RESUMO: “Determinadas espécies de negócios demandam, pelos próprios riscos aos quais se submetem as partes, a constituição de outro negócio, essencialmente acessório, que tem por escopo específico a mitigação de riscos para uma ou para algumas das partes envolvidas.
Tais negócios acessórios, dos quais o instituto de fiança faz parte, visam fornecer o conforto necessário para que determinada parte se sinta segura o suficiente para fechar o negócio principal, e se revestem, neste aspecto, de fundamental importância na esfera do direito contratual.”
Referências bibliográficas
[1] Schuld e Haftung são palavras alemães que se encontram na base do Direito Obrigacional. “Schuld” é o dever legal do devedor cumprir com a obrigação contratualmente assumida; “Haftung” e´a responsabilidade que decorre da obrigação não cumprida e que autoriza normativamente ao credor acionar o devedor e atacar seu patrimônio para recuperar o devido.