Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
Questões formuladas e resolvidas com base na Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo
As questões foram elaboradas com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. As apelações cíveis citadas podem publicamente ser consultadas no portal do TJ-SP.
• Os exercícios 1 – 3 foram baseados na Apelação Cível nº 0006385-55.2010.8.26.0020, da Comarca de São Paulo, com decisão prolatada em 2 de junho de 2020.
• Os exercícios 4 – 6 foram baseados na Apelação Cível nº 0000985-77.2011.8.26.0003, da Comarca de São Paulo, com decisão prolatada em 10 de junho de 2020.
• Os exercícios 7 – 9 foram baseados na Apelação Cível nº 0004563-65.2014.8.26.0125, da Comarca de Capivari, com decisão prolatada em 31 de agosto de 2020.
Considere a seguinte narrativa para responder as questões 1 – 3.
A pactuou contrato de prestação de serviços médico-hospitalares com B, pelo sistema de pré-pagamento, em 29/12/2018. B não honrou as parcelas referentes a setembro e outubro /2019, no valor total de R$ 10.518,46 e, por isso, foi excluído do plano de saúde em 25/02/2020. A cobra judicialmente B pelos valores não pagos.
B alega que, como o serviço somente é prestado mediante comprovação do pagamento da última parcela, não lhe foi prestado serviço algum, pelo que nenhum valor é devido.
Os fatos narrados tiveram lugar no Estado de São Paulo.
1. Escolha a opção correta.
A) Trata-se de contrato aleatório, em que a mensalidade deve ser paga pelo simples fato de estar o serviço à disposição do contratante.
B) A não utilização do plano pelo beneficiário no período torna a mensalidade indevida, pois trata-se de contrato preliminar.
C) A não utilização do plano pelo beneficiário no período não exclui a obrigação de pagamento da respectiva mensalidade, pois trata-se de proposta de contrato.
D) Nenhuma das outras alternativas está correta.
Justificativa:
É condição de existência do contrato aleatório a presença de risco futuro assumido pelos contratantes (artigo 458 do Código Civil). Nos contratos de assistência médica, o risco (incerteza) situa-se na possibilidade (ou não) de utilização futura dos serviços disponíveis.
2. Assinale V (Verdadeira) ou F (Falsa) para a seguinte asserção:
Como não há controvérsia no sentido de que o serviço esteve à disposição de B, a cobrança é legítima. O fato de ser exigido previamente o boleto pago antes da prestação do serviço não afasta a possibilidade de sua prestação, o que decorre da natureza do contrato. A deve ser remunerada conforme a obrigação assumida por B.
[ V ]
Justificativa:
Artigo 459 do Código Civil (“Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada”).
3. Se na ação proposta por A contra B os seguintes fundamentos justifiquem a sentença: “Contrato rescindido após 60 dias de inadimplência, conforme disposição contratual tácita. Possibilidade de cobrança das mensalidades inadimplidas antes do cancelamento do plano, uma vez que os serviços se encontravam disponíveis para utilização por B. Intenção de rescisão não manifesta oportunamente à A. Dívida exigível. Apontamento regular em cadastro de inadimplentes.” é possível afirmar acertadamente que:
A) Não se aplica o argumento “Contrato rescindido após 60 dias de inadimplência, conforme disposição contratual tácita”, pois inexiste regramento tácito sobre rescisão contratual de planos de serviços médico-hospitalares.
B Não se aplica o argumento “Apontamento regular em cadastro de inadimplentes”, pois inexiste legislação que regule a inclusão de inadimplentes em cadastro específico. Essa é uma prática decorrente de cláusula contratual entre os envolvidos e a narrativa não indica a existência de tal cláusula.
C) Não se aplica o argumento “Dívida exigível”, pois o caso configura a espécie “proposta de contrato”, em que mensalmente, mediante quitação prévia, o pacto é renovado. Ausente o pagamento, pressupõem-se não aceitação da proposta no período correspondente.
D) A sentença indica que a mensalidade deveria ser paga pelo simples fato do serviço estar à disposição B, independente de sua efetiva utilização. Como A cumpriu sua obrigação de disponibilizar o serviço, B deveria, obrigatoriamente, cumprir a contraprestação.
Justificativa:
A) Incorreta: O argumento se aplica, pois o Parágrafo Único, inciso II, artigo 13, da Lei 9.656, de 13/06/1998, que regula os planos de assistência à saúde, veda “a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência”.
Portanto, existe disposição contratual tácita nos planos de prestação de serviços médico-hospitalares.
B) Incorreta: O argumento se aplica, pois o contrato foi assinado no Estado de São Paulo e existe lei estadual que regula a inclusão de inadimplentes em cadastros de proteção ao crédito: Lei Nº 15.659, de 09 de janeiro de 2015, atualizada pela Lei nº 16.624, de 15 de dezembro de 2017.
C) Incorreta: O argumento se aplica, pois trata-se de contrato aleatório e a prestação se ajusta aos termos do caput do Art. 397, do Código Civil de 2002: “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.
D) Correta: Por se tratar de contrato aleatório, em que evento futuro pode ou não ocorrer, B não se pode omitir no cumprimento da obrigação assumida. Da mesma forma, se solicitados, os serviços disponibilizados contratualmente por A deveriam apresentar efetividade.
Considere a seguinte narrativa para responder as questões 4 – 6.
A celebrou contrato com B sobre cessão de direitos (posse) de determinado imóvel no montante de R$ 25.000,00, mas comunicou previamente a este sobre eventual possibilidade futura do Município retomar o imóvel em razão de antiga pendência judicial, o que de fato ocorreu. B, então, ingressou em juízo em face de A para obter a devolução da quantia paga.
4. Com base nos fatos narrados, assinale as alternativas corretas:
I. As partes pactuaram negócio aleatório, o que sujeita o adquirente a perda do imóvel na forma do artigo 460 do Código Civil de 2002: “Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato”.
II. O negócio jurídico não é de natureza aleatória e não se pode determinar a A devolução dos valores pagos por B, fato que somente ocorreria se o negócio jurídico fosse nulo ou anulável.
III. O contrato entre A e B não constitui negócio aleatório, mas contrato de venda e compra, pois o imóvel existe e a possibilidade de retomada pelo Município não caracteriza risco sobre o imóvel, mas disputa judicial que deverá ser enfrentada por B.
A) Somente a alternativa I está correta.
B) Somente a alternativa II está correta.
C) Somente a alternativa III está correta.
D) Existem exatamente duas alternativas corretas.
Justificativa: (transcrita da Apelação Cível nº 0000985-77.2011.8.26.0003).
“Trata-se do contrato aleatório tendo por objeto coisas existentes mas expostas a risco. O adquirente assume o risco de não receber a coisa adquirida, ou recebê-la parcialmente, ou ainda danificada, deteriorada, ou desvalorizada, pagando, entretanto, ao alienante todo o valor. Acentua João Luiz Alves representar o dispositivo a generalização dos princípios aceitos pelo direito comercial quanto ao seguro marítimo (CC art. 666 e 677, IX), valendo, aqui, o exemplo da mercadoria embarcada, tomando sobre si o adquirente a sorte (álea) de vir ou não recebê-la, devido a acidente ou naufrágio. Mesmo que a coisa no dia do contrato já não existisse no todo ou em parte, o risco assumido obriga o adquirente ao pagamento do preço.” (FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, 8ª ed.).
5. O negócio jurídico narrado é exemplo de:
A) Vício Redibitório.
B) Evicção.
C) Promessa de fato de terceiro, consistente na hipótese do Município não retomar o imóvel objeto de contrato.
D) Ato jurídico perfeito, pois negócio consumado segundo os elementos necessários à existência do ato e contidos na lei vigente ao tempo em que se efetuou.
Justificativa:
Os requisitos do contrato aleatório estão contidos nos artigos 458 à 461 do Código Civil vigente, aplicando-se à espécie o artigo 460.
6. Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso) para o seguinte conjunto de assertivas:
A sentença rescindiu o contrato celebrado entre as partes e condenou A a restituir a B a quantia de R$ 25.000,00, atualizada desde o desembolso e acrescida de juros moratórios a partir da citação. A natureza do contrato entre as partes foi de venda e compra, anulável por não atender a requisito de eficácia do negócio jurídico.
[ F ]
Justificativa:
Ainda que a natureza do contrato entre as partes tenha sido de venda e compra, a sentença não decretou a anulabilidade do negócio jurídico pois, nesta hipótese, deveriam estar presentes os requisitos do artigo 171 do Código Civil, a saber:
171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Assim, a rescisão do negócio jurídico não se confunde com a anulação do negócio jurídico. A rescisão ocorre quando o contrato é válido, mas ocorre a interrupção de sua vigência e eficácia. Na anulação, o negócio jurídico não é válido por inobservância de requisito contido ou no plano da existência (incapacidade relativa), ou no plano de validade (dolo, coação, estado de perigo, lesão), ou no plano da eficácia (vício resultante de erro, fraude contra credores).
Considere a seguinte narrativa para responder as questões 7 – 9.
A pactuou com B “Instrumento particular de compromisso de venda e compra de frações ideais” relativas a imóveis de titularidade de A pelo preço total de R$ 75.500,00. B quitou R$ 40.000,00, embora conste o registro de pagamento de R$ 65.000,00. Isso ocorre porque, segundo a alegação de A, ele é analfabeto e não teve conhecimento do conteúdo do contrato redigido, dada a ausência de testemunhas instrumentárias.
A entende que negócio é anulável por constar quitação no negócio do valor de R$ 65.000,00, sendo que recebeu tão-somente R$ 40.000,00, e que o contrato deveria ter sido ajustado pela forma pública, não por instrumento particular, por imposição legal, nos termos do artigo 108 do Código Civil. Cópia do instrumento particular, com firmas reconhecidas das partes e do terceiro, foi anexado aos autos.
B alegou na defesa que apresenta o mesmo grau de instrução de A, e o contrato foi redigido por terceira pessoa devidamente habilitada, estando nos exatos termos do ajuste verbal entre as partes. Esclarece que não ocorreu inadimplemento, pois o contrato prevê que o restante do preço somente será pago quando da ocasião da outorga da escritura definitiva.
7. Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso) para o seguinte conjunto de assertivas:
O artigo 462 do Código Civil estabelece: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”. Assim, anexar aos autos cópia de instrumento particular, ainda que com firma reconhecida dos signatários, representa descumprimento do inciso III, primeira parte, do artigo 104 do Código Civil, que determina “A validade do negócio jurídico requer forma prescrita em lei”, no caso, a escritura pública (artigo 108 do Código Civil).
[ F ]
Justificativa:
Embora o artigo 108, do Código Civil disponha que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País, a mesma legislação excetuou quanto à forma, o contrato preliminar, nos termos do artigo 462, do mesmo diploma de lei (argumento extraído do acórdão).
8. Assinale V (Verdadeiro) ou F (Falso) para o seguinte conjunto de assertivas:
O negócio jurídico pactuado entre A e B é inválido pelo fato de serem analfabetos e não estarem devidamente representados por respectivos curadores. A condição de analfabetos torna viciadas as manifestações das vontades, pois, como afirmado por A, as partes não apresentam condições de interpretarem autonomamente, e do devido modo, as cláusulas contratuais.
[ F ]
Justificativa: (justificativa adequada ao contido na Apelação Cível nº 0004563-65.2014.8.26.0125).
A alegação de A ser analfabeto, que tornaria o negócio inválido, não prospera. O baixo grau de instrução dos contratantes não pressupõe invalidade do negócio ajustado. Consta do instrumento particular a assinatura das partes, secundadas por de terceiro, presumindo que tinham pleno conhecimento das cláusulas contratuais. A boa-fé se presume, devendo a má-fé ser comprovada por aquele que a alega em seu benefício.
A trouxe aos autos o instrumento particular assinado pelos contratantes e por um interveniente, não se presumindo que o instrumento não espelhe o ajuste de vontade entre as partes. A autenticidade do instrumento não foi contestada por B. De se presumir, então, que as cláusulas contratuais estavam de acordo com o ajustado, inclusive quanto ao termo de quitação do valor recebido no ato. Essa analise se ajusta perfeitamente ao contido no Art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que corresponder à boa-fé.”.
9. Sobre a afirmação de A que recebeu somente R$ 40.000,00 e não R$ 65.000,00 como consta no contrato de venda e compra, com fundamento no artigo 112 do atual Código Civil (“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”), a alternativa que mais bem representa o fato é:
A) Pela exigência de conduta consistente na boa-fé objetiva e no dever de informação das partes, a afirmação de A deve prevalecer sobre o contido no contrato de venda e compra;
B) Pela exigência de conduta consistente na boa-fé objetiva e no dever de cooperação das partes, a afirmação de A deve prevalecer sobre o contido no contrato de venda e compra;
C) O termo de quitação contido no instrumento de venda e compra apresenta presunção de veracidade, mas essa presunção pode ser elidida pela boa-fé objetiva, pelo dever de informação e pelo dever de cooperação suscitados por uma das partes, como é o caso de A na presente apelação cível;
D) A declara, no instrumento de venda e compra, haver recebido de B a quantia de R$ 65.000,00, dando plena, geral e irrevogável quitação do preço. Portanto, este fato é inquestionável.
Justificativa: (transcrita da Apelação Cível nº 0004563-65.2014.8.26.0125).
Demonstrado nos autos a realização do negócio jurídico, a concordância de A com a venda do imóvel, sem que tenha demonstrado qualquer vício de consentimento, e a declaração de haver recebido a quantia de R$ 65.000,00, dando plena, geral e irrevogável quitação do preço, então essa declaração é pacífica e representa a verdade dos fatos.
