Motivação inerente ao projeto destes encontros:
Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:
• interpretação e aplicação do Direito;
• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;
• julgamento e tomada de decisões; e
• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.
Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.
5.3. Contratos Especiais – Licença de Software
1. Conceituação de Software e normas legais aplicáveis
2. Espécies de programas de computadores (softwares)
3. Espécies de Contratos de Licenças
4. O software desenvolvido por empregado se ajusta ao direito autoral?
5. O software desenvolvido sob encomenda se ajusta ao direito autoral?
6. SaaS – Software as a Service
Inicialmente, cabe destacar que a espécie “contratos especiais” do gênero “contratos” foi adotado por influência de Carlos Roberto Gonçalves: Direito Civil Brasileiro – Contratos e Atos Unilaterais. São Paulo: Saraiva Jur, vol. 3, 2018, 15ª ed.
O programa de computador, ou “software”, tem regulação específica na Lei 9.609, de 19/02/1998 (“Lei do Software”), com regras que conferem “proteção da propriedade intelectual de programa de computador” e normatizam “sua comercialização”, conforme ementa da lei. A lei estabelece uma definição para “programa de computador”:
“Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
O contrato de software não é tratado no Código Civil de 2002 e sua natureza jurídica está definida no art. 7°, inciso XII, da Lei 9.610, de 19/02/1998 (“Lei de Direitos Autorais”) como “obra intelectual”.
Os direitos do autor do software abarcam dois contextos distintos, como explicitados no Art. 22 da Lei de Direitos Autorais: “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou” (sem destaque no original).
Os direitos morais estão expressos no Art. 24, a saber:
“Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.
§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.”
Os direitos patrimoniais estão estabelecidos no artigo 28 e seguintes:
“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”. (sem destaque no original).
O negócio jurídico aplicável ao uso do software é o contrato de licença ou, na sua ausência, a posse do documento fiscal que ateste a aquisição do direito de uso, como estabelecido no artigo 9º da Lei de Software, a saber:
“Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
Parágrafo único. Na hipótese de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso.”
Assim, inexiste contrato de venda e compra de programa de computador, mas contrato de licença de uso de dado programa.
Existem três espécies de programas de computadores, ou softwares:
1) Softwares livres (“free software”), que não apresentam restrições econômicas em suas utilizações;
2) Softwares abertos (“open software”), que também não apresentam restrições econômicas em suas utilizações, mas devem seguir as regras das licenças que lhes são próprias, reunidas na Open Source Initiative;
3) Softwares proprietários (“Copyrighted Software” ou software copyright”), majoritariamente onerosos, e que têm seus direitos patrimoniais regulados na Lei de Direitos Autorais e nos contratos de licenças, de natureza econômica, normatizados na Lei de Software.
IMPORTANTE: Quando se afirma que o software proprietário é, por excelência, a espécie com tutela jurídica decorrente da Lei de Software, tem-se em vista a utilidade da proposição de eventuais ações ao Judiciário, utilidade essa que tem natureza econômica. É essa utilidade, ou direito subjetivo material, que fundamenta o interesse de agir, requisito da ação (Código de Processo Civil de 2015, “Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”). Tanto o software livre quanto o software aberto não envolvem direitos patrimoniais; portanto, para qualquer suposta ação que os tenha por objeto lhe falta o elemento essencial do interesse de agir, que lhe condena à extinção sem julgamento de mérito (Código de Processo Civil de 2015, Art. 485, VI: “O juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”). Podem, entretanto, envolver questões de direito moral, que fogem ao contexto do tipo contratual ora em análise e dizem respeito à responsabilidade civil. Assim, as considerações neste texto dizem respeito ao software proprietário.

Licenças “Creative Commons”
As espécies de contratos de licenças não se confundem com as espécies de softwares [1] (software livre, software aberto e software proprietário). Via de regra, os softwares livres são licenciados mediante uma licença GNU [2] e os softwares abertos são licenciados no formato “Creative Commons” que, segundo a Wikipedia [3]:
“As licenças Creative Commons foram idealizadas para permitir a padronização de declarações de vontade no tocante ao licenciamento e distribuição de conteúdos culturais em geral (textos, músicas, imagens, filmes e outros), de modo a facilitar seu compartilhamento e recombinação, sob a égide de uma filosofia copyleft.
As licenças criadas pela organização permitem que detentores de copyright (isto é, autores de conteúdos ou detentores de direitos sobre estes) possam abdicar em favor do público de alguns dos seus direitos inerentes às suas criações, ainda que retenham outros desses direitos. Isso pode ser operacionalizado por meio de diversas alternativas de módulos-padrão de licenças, que resultam em licenças prontas para serem agregadas aos conteúdos que se deseje licenciar.
Os módulos oferecidos podem resultar em licenças que vão desde uma abdicação quase total, pelo licenciante, dos seus direitos patrimoniais, até opções mais restritivas, que vedam a possibilidade de criação de obras derivadas ou o uso comercial dos materiais licenciados.”
Sugestão de leitura:
SABINO, Vanessa; KON, Fabio: Licenças de Software Livre: História e Características
RESUMO: “Programas de software livre em geral são de fácil acesso. Porém, a simples obtenção de um programa não significa que a pessoa pode fazer o que quiser com ele. As licenças de software livre são documentos através dos quais os detentores dos direitos sobre um programa de computador autorizam usos de seu trabalho que, de outra forma, estariam protegidos pelas leis vigentes no local.
Além do uso como usuário final, esses usos autorizados permitem que desenvolvedores possam adaptar o software para necessidades mais específicas, utilizá-lo como fundação para construção de programas mais complexos, entre diversas outras possibilidades.”
Sugestão de leitura:
SILVA, Mateus Bernardes: Contrato de adesão de licença de programa de computador
RESUMO: “O software é tema relevante para a economia criativa e a sociedade do século XXI, e o Brasil ocupa um lugar de destaque no ranking do Mercado Mundial de Softwares e Serviços. Em vista desta realidade, o presente estudo busca: enfrentar a pertinência da Lei 9.609/98 para a sociedade brasileira atual; o processo de enquadramento da proteção jurídica ao software; tecer algumas justificativas para esse enquadramento das normas internacionais e nacionais; enfrentar a definição do texto legal e os limites do bem jurídico a ser protegido pela Lei 9.609/98, enfrentar os tipos contratuais de exploração do software, com enforque no surgimento do lucrativo contrato de adesão de licença de programa de computador feitos por clique.”
Considerações sobre Softwares Proprietários
Entendemos que os seguintes contratos, embora intimamente relacionados à softwares proprietários, mais bem se caracterizam como contratos de prestação de serviços, pelas razões expostas para cada espécie. Tais softwares encontram utilidade somente nos contextos específicos para que foram planejados e desenvolvidos e se caracterizam, não raro, como ferramentas na automação de processos com focos no controle e na rápida obtenção de resultados.
• Contrato de desenvolvimento: caracteriza o projeto de software desenvolvido mediante contrato com terceiro, que especifica seus requisitos e, por isso, individualmente, detém os direitos de uso, disposição e fruição. É contrato oneroso que mais bem se caracteriza como prestação de serviços, pois, por ser desenvolvido mediante especificação de requisitos do contratante, não se aplica ao software o direito de autor contido na segunda parte do § 1° do Art. 2° da Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998, em destaque na reprodução seguinte:
”Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.”.
A não aplicação do direito de autor em destaque deve-se, em nossa análise, aos seguintes fatos:
1) O regramento contido no inciso XII do artigo 7° da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, de que os programas de computador representam “obras intelectuais que protegem a criação do espírito” não é absoluto, merecendo interpretação adequada ao contexto e forma como tais programas são desenvolvidos. Programas de natureza comercial contratos sob medida, não raro, reproduzem procedimentos consolidados que são automatizados mediantes procedimentos digitais com vistas ao controle efetivo sobre falhas, redução de custos associados com a execução manual dessas tarefas e incremento na velocidade que são realizadas quando comparados aos procedimentos manuais. No processo de implementação das tarefas em base digital, tais softwares, em seus planejamentos e desenvolvimentos, se valem de recursos computacionais disponíveis, as denominadas bibliotecas com rotinas prontas para utilização, que são combinadas para o alcance de resultados específicos. Daí que o desempenho profissional requerido se concentra na experiência em combinar e adequar recursos existentes para o alcance de objetivos específicos, tarefa facilitada pelas modernas linguagens de programação, repletas de recursos para agilização de procedimentos. Como consequência, o desenvolvimento do software pode ser realizado por diferentes profissionais com habilidades medianas, não envolve inovação e inexiste necessidade de produtos diferenciados em relação a eventuais concorrentes;
2) O software desenvolvido sob encomenda tem por função a automatização de processos em ambientes caracterizados por atividades econômicas, com execução de funções específicas que seguem regras determinadas e existentes independentemente se reproduzidas por programa de computador. Não raro, tais softwares são desenvolvidos pela combinação de recursos preexistentes e obedecem regramentos objetivos na escrita dos códigos que os compõem com vistas ao entendimento lógico por terceiros. Tais regramentos são comuns ao ambiente de desenvolvimento e estabelecidos de forma técnica e passível de medição quanto aos resultados esperados. Também devem ser adequadas ao processo de planejamento, desenvolvimento e implementação do software, sem interferência de preferências subjetivas, elementos que despersonalizam o direito de autor;
3) Mudanças nos processos produtivos podem induzir alterações significativas nas funcionalidades de dado software, que nenhuma relação guardam com a honra ou reputação do eventual autor original, como estabelecido no § 1º do Art. 2º da Lei 9.609/98. Não é improvável que, ao longo do ciclo de vida útil, o software tenha sofrido tal monta de alterações que, com exceção da identificação, pouca semelhança mantenha com a versão original;
4) O contrato de desenvolvimento, uma vez entregue o software, atinge sua finalidade e dá-se por encerrado, com exaurimento dos direitos patrimoniais. Como as boas práticas apontam para o recebimento dos códigos fontes [4] do software pelo contratante, é possível que o profissional ou equipe responsável pela sua manutenção e adequação a eventuais modificações no contexto de negócios com o passar do tempo não coincida com quem desenvolveu o sistema. Assim, não há que se falar em direito moral do autor em razão da sua despersonalização.
• Contrato de suporte técnico e manutenção: é contrato de prestação de serviços voltado para a correção de inadequações, eventuais falhas ou acréscimo de recursos em software objeto de contrato prévio. Tanto o suporte técnico quanto a manutenção são atividades-meio que tem por objeto manter o ciclo de vida útil de dado software. As mesmas argumentações expostas no contrato de desenvolvimento de software aplicam-se ao contrato de suporte técnico e manutenção.
Naturalmente, as argumentações apresentados dizem respeito a um contexto onde o software seja desenvolvido para usos específicos e limitados, com possibilidades de interpretações diferenciadas para outras situações fáticas.
Confirmando os argumentos apresentados, segue uma decisão judicial sobre contrato de licença software onde o Código de Defesa do Consumidor foi o texto legal que fundamentou a decisão prolatada:
Agravo de Instrumento nº 2142732-43.2018.8.26.0000 – São Paulo
Relator: Paulo Pastore Filho [5]
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Vício do produto e do serviço – Contrato envolvendo implementação de software – Uso interno e administrativo da empresa – Cabimento – Relação de consumo evidenciada – Hipossuficiência técnica da autora – Inteligência do art. 6º, VIII, do CDC Decisão reformada – Recurso provido.
A agravante pretende a reforma da r. decisão copiada a fls. 111/112, que, nos autos da ação de rescisão contratual c.c. indenizatória movida em face dos agravados, não acolheu o pedido de aplicação do CDC e inversão do ônus da prova, conforme transcrito abaixo:
“(...) O ônus da prova fica atribuído às partes nos termos do art. 357, inciso III, cumulado com o art. 373 do CPC. Afasto a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois, nos termos do art. 2º, caput, da referida norma, a parte autora não se enquadra ao conceito de destinatária final do produto. E tampouco há vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou econômica no caso, pois, no limite da análise possível nesse momento processual, observo que a autora conseguiu especificar com precisão as incompatibilidades do software adquirido da ré, com suas atividades empresariais, de sorte que a controvérsia reside no regular cumprimento das obrigações contratuais desta última e não no vício do produto em si. Excedi-me no prazo em face do invencível volume de trabalho, ao qual não dei causa, pelo que me penitencio. Int.”
Afirma que o decisum não pode prosperar, sustentando, em suma, que ela é consumidora final, pois contratou os serviços de implementação de software de “gestão de compras, vendas, emissão de notas fiscais, controle de estoque e afins” para uso próprio da empresa e por meio de um contrato de adesão. Afirma, outrossim, que é vulnerável tecnicamente, haja vista que atua no ramo de venda de peças aeronáuticas e não no ramo de software. Requer seja reformada a r. decisão agravada, no sentido de se determinar a inversão do ônus da prova prevista no CDC.
Recurso processado no efeito suspensivo (fls. 152).
O agravado ofereceu contrariedade (fls. 157/165).
É o relatório.
O recurso merece provimento.
Trata-se de ação que tem por objetivo a rescisão de contrato de fornecimento de software, prestação de serviços e outras avenças, em razão de falhas sistêmicas apresentadas no produto que, segundo a empresa autora, ora agravante, permanecem sem solução ante a ineficiência na prestação dos serviços contratados perante a agravada.
Pois bem.
Consta dos autos que a empresa agravante atua no ramo de importação e exportação, bem como vendas de produtos e serviços aeronáuticos, e contratou os serviços da empresa agravada para implementação de software visando à otimização de sua atividade, ou seja, para uso interno e administrativo.
Ela enfatiza que não exerce qualquer atividade ligada ao ramo de tecnologia ou desenvolvimento de softwares.
Não há dúvida, portanto, de que a agravante se encaixa no conceito de consumidora previsto no artigo 2º, “caput”, do Código de Defesa do Consumidor, por ser pessoa jurídica que adquire e utiliza o sistema de software como destinatária final, estando-se diante, ainda, de vínculo desigual, na medida em que o fornecedor de software detém conhecimentos técnicos que a empresa usuária não possui.
Nesse sentido, este Tribunal já teve a oportunidade de decidir:
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE SOFTWARE RELAÇÃO DE CONSUMO VERIFICAÇÃO DE QUE A AQUISIÇÃO DO SOFTWARE SE DESTINA AO TRABALHO INTERNO DA PESSOA JURÍDICA POSSIBILIDADE DE O CONSUMIDOR AJUIZAR AÇÃO NO FORO DE SEU DOMICÍLIO, NOS TERMOS DO ART. 101, I, DO CDC DECI SÃO MANTIDA. Agravo de instrumento improvido”. (TJSP; Agravo de Instru mento 0034446-78.2013.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Jul gador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Indaiatuba – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/07/2013; Data de Registro: 15/08/2013).
Quanto à possibilidade de incidência da lei consumerista em questões envolvendo contrato firmado por pessoa jurídica, o STJ já entendeu que “a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista [6] e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora” (REsp 1195642/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012).
No mesmo sentido:
”PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO. 1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor. 2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. 3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro. 5. Negado provimento ao recurso especial”. (REsp 1010834/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 13/10/2010 Grifou-se).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRA DE AERONAVE POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. AQUISIÇÃO COMO DESTINATÁRIA FINAL. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. Controvérsia acerca da existência de relação de consumo na aquisição de aeronave por empresa administradora de imóveis. 2. Produto adquirido para atender a uma necessidade própria da pessoa jurídica, não se incorporando ao serviço prestado aos clientes. 3. Existência de relação de consumo, à luz da teoria finalista mitigada. Precedentes. 4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”. (AgRg no REsp 1321083/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 25/09/2014 Grifou-se).
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, diz que é direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Dentro desse contexto, cabível a inversão do ônus da prova, conforme disposto no artigo supramencionado, uma vez constatada a verossimilhança das alegações e a vulnerabilidade técnica da empresa agravante frente ao sistema de computador desenvolvido pela agravada.
Portanto, a pretensão da agravante merece guarida.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.
Da transcrição, é razoável, na hipótese de conflitos de interesses entre as partes, o rascunho da seguinte estratégia pelo advogado:

Contratos de licenças de softwares proprietários
Em contrapartida aos contratos de desenvolvimento de software e suporte técnico / manutenção, as seguintes espécies encontram amplo amparo nas Leis de Software e Direito Autoral, respectivamente Leis 9.609, de 19/02/1998, e 9.610, de 19/02/1998. Isso porque tais produtos requerem diferenciações em razão da competição de mercado, necessidades viabilizadas pela inovação e pela criatividade de seus autores.
• Licença de Uso: são contratos padrões que permitem a instalação de uma única cópia do software associado em dado computador, para uso pessoal. A regra contida em tais licenças é o copyright.
• Licença de Uso Não Comercial: Todos os direitos de uso do software estão disponíveis, mas o software deve se destinar, necessariamente, ao uso pessoal. Para uso comercial requer licença de uso própria.
Entendemos que grandes corporações podem estabelecer contratos com regras próprias e suas implicações ficam sujeitas aos fins a que se destinam. Uma revenda de softwares legalmente constituída não é usuária final e, tecnicamente, ao distribuir o software não instalado aos consumidores está implementando contrato de compra e venda. De forma similar, uma empresa que comercialize computadores não é usuária final e o contrato que mantém com o desenvolvedor do software objetiva obter melhores preços de compra em função do volume comercializado. A licença de uso válida será entre o consumidor e a empresa proprietária do software, com a empresa distribuidora desempenhado papel de mera intermediária.

O artigo 4° da Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, esclarece que o software desenvolvida na vigência de contrato de trabalho pertencem com exclusividade ao empregador:
“Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
§ 1º Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á à remuneração ou ao salário convencionado.
§ 2º Pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público.”
Nosso entendimento, por analogia ao software desenvolvido na constância de vínculo empregatício, cujos direitos pertence ao empregador, é que o software desenvolvido mediante contrato de desenvolvimento pertence exclusivamente ao contratante, com transferência de direitos mediante quitação dos serviços contratados. As razões para esse entendimento foram expostos no título Considerações sobre Softwares Proprietários.
Considere as seguintes afirmativas:
• Os dispositivos digitais, sejam computadores, smartfones, smart tvs, ou quaisquer outros, estão amplamente presentes no cotidiano das pessoas e tornaram-se essenciais na realização de tarefas específicas;
• O funcionamento desses dispositivos depende de softwares próprios, sem os quais perdem utilidade;
• Majoritariamente, o usuário utiliza os serviços intermediados pelo software, como assistir a um filme na TV ou acessar as redes sociais no smartfone, sem assinar especificamente um contrato de licença de uso do software. Isso porque, na ausência do software, o dispositivo perde sua capacidade de uso e o fabricante assume a obrigação de desenvolver software próprio ou licenciá-lo junto ao desenvolvedor. Adicionalmente, o consumidor não dispõe da liberdade de escolher qual software instalar em seu dispositivo, ficando restrito àquele pré-instalado pelo fabricante e condicionado pela garantia indissoluvelmente associada.
As afirmativas acima representam situações em que a Lei de Software não se aplica em relação ao consumidor, e as utilizações dos programas de computadores pertinentes são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), com eventuais defeitos neles constatados a caracterizar o instituto jurídico do vício oculto (Art. 23 do CDC: “A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”).
Um processo semelhante no fornecimento de soluções de negócios está presentes no SaaS, sigla do termo inglês “Software as a Service” e com sentido de Software como um serviço. SaaS é uma plataforma de negócios em que os contratos individuais de licença de usos de softwares são substituídos por um contrato de prestação de serviço de uma empresa SaaS com o tomador. A empresa assume a obrigação de desenvolver ou assinar os devidos contratos de licenças com quem detém os direitos comerciais de dado software, os armazena na “nuvem” e disponibiliza, via internet, acessos aos contrantes dos recursos desejados. Por “nuvem” entende-se o local remoto onde os softwares são instalados, informações armazenadas, serviços rotineiros de segurança providos e formas de comunicações disponibilizados, sem que o contrante tenha por eles responsabilidade. |Neste cenário, o tomador de serviços não pactua contrato de licença de uso de software, embora deles se valha em seus processos negociais, mas contrato de prestação de serviços com a empresa SaaS.

Características do modelo de negócio SaaS
• O tomador de serviços não assina contrato de licença de uso de software, mas contrato de prestação de serviços;
• Nenhum software integrante do contrato de prestação de serviços com a empresa SaaS é disponibilizado para instalação em computador do tomador de serviços;
• O acesso aos softwares e às informações correlatas é realizado via internet, seja por plataforma web ou plataforma equivalente;
• Os softwares disponibilizados pela empresa SaaS devem, necessariamente, focar a prestação de serviços.
• Exemplo de empresa SaaS: Netflix.
[1] “Software” pode dizer respeito a programa de computador específico ou conjunto de programas inter-relacionados para atingir determinado objetivo e que recebem a denominação genérica de “sistema de software”.
[2] GNU General Public License (GPL), ou simplesmente GNU, e uma licença copyleft, com o sentido que trabalhos derivados de software originalmente licenciado pela GPL somente podem ser distribuídos se utilizarem a mesma licença. Copyleft é um movimento contraposto ao copyright, que objetiva a reprodução, disseminação e liberdade de modificação em obras que seriam protegidas pela propriedade intelectual. A restrição imposto pelo copyleft é que os mesmos direitos sejam extensivos às obras conexas.
[3] A própria Wikipedia, de onde foi extraído o conteúdo aqui reproduzido, está licenciada sob uma licença Creative Commons, mais especificamente a licença “Atribuição-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada (CC BY-SA 3.0) da Creative Commons”, conforme indicado na página acessada.
[4] Todo software é escrito em linguagem própria de programação de computador, que detalha o sequenciamento de instruções a ser seguido. Existem diversas linguagens de programação e, sem o código fonte, somente o desenvolvedor pode corrigir ou atualizar o software.
[5] Transcrito do portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
[6] A teoria da ação finalista, desenvolvida na Alemanha por Hans Welzen e tendo por foco o direito penal, se considerada em si mesma e abstraída do ambiente em que foi proposta, extrapola os limites iniciais de aplicação proposto pelo autor e encontra adequação na autonomia da vontade, instituto essencial da teoria das obrigações. Pela teoria da ação finalista, a vontade pode ser objetivamente aferida pelos seguintes parâmetros: (i) toda vontade se dirige à obtenção deliberada de um resultado previamente estabelecido; (ii) os meios empregados para alcance do objetivo desejado são de domínio e responsabilidade de seu autor; (iii) dos meios empregados derivam consequências secundárias a serem suportadas pelo autor. Daí que a ação finalista correlaciona de forma necessária a finalidade da ação, os meios empregados na sua consecução e os chamados “efeitos colaterais” decorrentes desses meios. Fonte: WELZEL, Hans. Teoría de la Acción Finalista. Buenos Aires: Depalma, 1951, p. 21.
No contexto do STJ, a teoria finalista, ali elaborada para mais bem definir o alcance do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, difere da teoria da ação finalista porque considera somente os elementos que limitam o pleno exercício da autonomia da vontade e que, implicitamente, mitigam o domínio das consequências derivadas do exercício manifesto dessa autonomia. Esse desequilíbrio de possibilidades na manifestação da vontade é compensada, juridicamente, pela análise das chamadas “vulnerabilidades” (ausência de conhecimentos específicos), de modo a manter a igualdade de condições na expressão do contraditório e da ampla defesa (”qualidade do consumidor”), princípios constitucionalmente garantidos.
Esta explanação não consta no acórdão publicado pelo TJSP.
